O Reino Unido se tornou o primeiro país do mundo a aprovar a regulamentação de um tratamento médico que envolve uma ferramenta de edição genética, chamada CRISPR. A técnica fez com que suas duas criadoras, Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna, ganharam o Prêmio Nobel de Química no ano de 2020. Ele foi aprovado pelo governo britânico para tratar de duas doenças de sangue: a anemia falciforme e a β-talassemia.
A Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA) do país afirmou na última quinta-feira (16), que deu luz verde a um tratamento conhecido como Casgevy, baseado em dois ensaios clínicos. Neles, 28 dos 29 pacientes com anemia falciforme deixaram de apresentar dores intensas e 39 dos 42 pacientes com β-talassemia não precisaram mais fazer transfusões de sangue por pelo menos um ano. As pesquisas com novos tratamentos continuaram acontecendo no Reino Unido, nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e na Itália.
No Reino Unido estima-se que cerca de 15 mil pessoas têm a doença, a maioria com raízes familiares africanas e caribenhas. Quase 300 bebês nascem no Reino Unido com doença falciforme todos os anos. Já a doença, β-talassemia , é estimada em afetar diretamente mais de mil pessoas. Elas geralmente têm origens familiares de regiões como o Mediterrâneo, o Sudeste Asiático e o Oriente Médio.
Como o tratamento funciona
O tratamento Casgevy começa quando os médicos retiram as células-tronco produtoras de sangue da medula óssea dos pacientes. Depois disso, eles utilizam a enzima CRISPR–Cas9 para editar os genes dos pacientes que codificam a hemoglobina nas células que são tratadas. O processo depende da molécula do RNA que guia a Cas9 para a região correta do DNA. Essa enzima corta o gene alvo, que é chamado de BCL11A.
Em seguida, esse gene impede a produção de uma forma de hemoglobina saudável. Dessa forma, ao interromper este gene, o tratamento Casgevy libera a produção da hemoglobina fetal. Esta, por sua vez, não possui as anormalidades que causam a doença falciforme ou a β-talassemia.
Depois disso, é feita a transfusão do material genético que é editado geneticamente pelo paciente. Porém, antes de fazer isso é preciso preparar a medula óssea para que ela possa receber as células que foram modificadas.
Após isso, os médicos administram as células-tronco e elas dão origem a glóbulos vermelhos que têm a hemoglobina fetal. O resultado é que as dores da anemia falciforme diminuem e o fornecimento de oxigênio da β-talassemia é restabelecido.
Neste tratamento existem possíveis efeitos colaterais, como náuseas, fadiga, febre e um aumento de riscos de infecções. Por conta disso, após o tratamento os pacientes precisam pelo menos passar um mês internados, com acompanhamento profissional.
Reino Unido se tornou o primeiro país do mundo a aprovar o tratamento de edição genética. (Foto: reprodução/ Claudioventrella/Envato)
Futuro do tratamento
A revista Natura destacou que a abordagem feita pelo CRISPR às vezes pode fazer modificações genéticas que não são intencionais. Com isso, podem ter efeitos colaterais que ainda são desconhecidos. A MHRA quanto o fabricante do tratamento afirmam que estão monitorando a segurança da tecnologia.
No momento, a agência reguladora dos EUA (FDA) e a Agência Europeia de Medicamentos também estão revisando o tratamento para decidir a sua aprovação para o uso no tratamento de ambas as doenças. Porém, os especialistas acreditam que esse novo tratamento ficará disponível apenas para países ricos ditos “ricos”.
No Reino Unido, é especulado que o preço do tratamento do Casgevy possa custar cerca de 1 milhão de libras (R$ 6 milhões, na cotação atual) ou pode ser ainda mais caro, que pode ser considerado um preço muito alto para os serviços públicos de saúde.
Em abril deste ano, o Instituto de Revisão Clínica e Econômica dos Estados Unidos calculou que o tratamento só seria rentável caso seu preço ultrapassasse a casa de 1,5 milhão de libras (R$ 9 milhões, na cotação atual).
O Casgevy é um tratamento que é personalizado e único, ele é feito a partir de ajustes nas células do próprio paciente — o que faz com que o processo seja caro e demorado. Além disso, os responsáveis também acrescentam na conta os custos com a pesquisa e o desenvolvimento.
A Vertex, empresa farmacêutica americana que é responsável pela terapia gênica, deseja que o produto seja utilizado de forma ampla. Para isso, precisará estabelecer um preço que os serviços públicos de saúde estejam preparados para pagar.
Foto destaque: pesquisadora trabalhando em um laboratório. (Reprodução/Freepick)