Na manhã do último domingo (6), os modelos da Balenciaga enfrentaram neve, raios e ventania, em uma demonstração estética de resistência. A apresentação mais aguardada da Semana de Moda de Paris foi uma homenagem do diretor criativo Demna ao povo ucraniano e, sem a intenção de ser agradável aos olhos do público, despertou um desconforto quanto ao que o futuro nos reserva.
“A Guerra na Ucrânia desencadeou a dor de um trauma passado que carrego em mim desde 1993, quando a mesma coisa aconteceu com meu país natal e me tornei um refugiado para sempre”, escreveu o estilista, em nota entregue aos convidados do desfile, que encontraram nos assentos camisetas em amarelo e azul.
Demna nasceu em Sukhumi, na Geórgia, e quando tinha 10 anos viu a brutalidade da guerra se abater sobre seu país. No início dos anos 90, ele e a família estavam entre as milhares de pessoas que fugiram de Sukhumi ao se verem em meio ao conflito da Abkhazia, território considerado independente pela Rússia, mas reconhecido como parte da Geórgia pela comunidade internacional. "Passei pela mesma coisa 30 anos atrás. O mesmo agressor, os mesmos aviões militares bombardeando casas, o mesmo motivo geopolítico”, contou Demna, que após ser obrigado a deixar o próprio país passou a morar em Odessa, na Ucrânia.
Balenciaga outono/inverno 2022 (Foto: Reprodução/ Balenciaga)
Com uma parede de vidro separando a platéia do cenário circular, o desfile começou com a voz do diretor criativo recitando, em ucrâniano, um poema de Oleksandr Oles, poeta e símbolo da resistência da cultura ucraniana, que foi morto por nazistas em 1944. Deliberadamente, Demna não forneceu nenhuma tradução para sua mensagem, ela deveria ser ouvida apenas por quem pudesse entendê-la.
Balenciaga outono/inverno 2022 (Foto: Reprodução/ Balenciaga)
Em seguida, modelos cruzaram a passarela se curvando contra a força do vento, enquanto exibiam uma coleção carregada de tons sóbrios e poderosos, como o preto. No caminho coberto de neve, sopraram vestidos volumosos e assimétricos, peças com gola alta, trajes colados à pele, moletons com capuz, casacos acolchoados e jaquetas feitas do couro alternativo da Balenciaga, que é derivado de micélio. Com um visual idêntico ao de Kim Kardashian, que estava entre os convidados do evento, uma modelo desfilou envolta da cabeça aos pés em fita de embalar amarela e preta.
Entre os acessórios do desfile, marcaram presença as grandes sacolas de couro, que foram arrastadas pelos modelos em meio a tempestade de neve artificial. As notas do show descreveram as peças como "bolsas de lixo".
Nos dois looks finais, as inconfundíveis cores da bandeira ucraniana tornaram a surgir: o amarelo em um agasalho e o azul em um vestido de cauda longa. Ainda que a coleção tenha sido criada antes do estopim da Guerra na Ucrânia, Demna contou nos bastidores, que a encenação foi um reflexo autoconsciente de sua experiência como refugiado há 30 anos. O estilista também acrescentou que tinha em mente um comentário sobre as mudanças climáticas e como, em um futuro próximo, a neve pode se tornar um privilégio de poucos, existindo apenas em realidades virtuais.
Balenciaga outono/inverno 2022 (Foto: Reprodução/ Balenciaga)
Demna também contou em nota que cogitou cancelar o desfile ao refletir sobre como a moda perde a relevância e o direito de existir em um momento como esse. Porém, o diretor criativo concluiu que cancelar o evento significaria ceder e se render a um mal que machucou a ele e sua família. “Decidi que não posso mais sacrificar partes de mim para aquela guerra sem sentido e sem coração”, escreveu.
Foto Destaque: Balenciaga apresenta coleção Outono/Inverno 2022. Reprodução/ Balenciaga