Marina Bitu leva pinturas modernistas à passarela da SPFW
Inspirada na obra da artista Djanira da Motta e Silva, a grife trouxe estampas artesanais e resgatou o trabalho manual feminino como expressão cultural

Na última quinta-feira (16), a grife cearense Marina Bitu apresentou a coleção “Djanira” durante a São Paulo Fashion Week N60 (SPFW). A coleção homenageia a pintora modernista Djanira da Motta e Silva (1914-1979), que retratava o cotidiano e o trabalho manual das mulheres brasileiras que teciam, bordavam e costuravam. O desfile exaltou a moda artesanal com vestidos de tecidos fluidos e estampados com as trabalhos da artista.
Djanira como inspiração
Djanira foi uma das primeiras artistas brasileiras a valorizar, nas artes visuais, o trabalho das mulheres do campo, das casas e das comunidades. Suas pinturas, muitas vezes tidas como “ingênuas” pela crítica da época, são na verdade registros afetivos e políticos do Brasil da época, um país de rendeiras, costureiras, agricultoras e pescadoras.
A estilista Marina Bitu, ao lado do Instituto Pintora Djanira, responsável por preservar e difundir o legado da artista, criou uma coleção que parte diretamente de obras como: “Tecelã”, “Costureira”, “Bordadeira”, “Tecendo Rede” e “Escolhedoras de Café”; projetos da artista em que o trabalho manual feminino é exaltado como ato de criação, memória e principalmente resistência cultural. “Djanira foi uma cronista dos ritos e pintora de costumes. Seu olhar sobre o trabalho da mulher ecoa no que fazemos na Marina Bitu, onde a moda nasce das mãos de mulheres artesãs e da força do coletivo”, explica Marina, estilista da marca homônima.
Desfile Maria Bitu na SPFW N60 (Foto: reprodução/SPFW/Zé Takahashi/@agfotosite)
Desfile dividido em três atos
A coleção de Marina para a SPFW foi dividida em três núcleos criativos, ou “famílias”, cada um inspirado em uma faceta do universo retratado por Djanira. O primeiro ato, intitulado: “Ofícios” reflete a força dos traços da pintora, com paleta neutra e materiais artesanais, como palha, que já faz parte da identidade da grife, organza plissada e jacquard. Um dos destaques é o uso de escamas de peixe camurupim; descartadas pela pesca local e reaproveitadas por artesãos do litoral cearense, reafirmando o compromisso e responsabilidade da grife com a sustentabilidade do território.
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Desfile Maria Bitu na SPFW N60 (Foto: reprodução/Instagram/@arlindogrund)
O segundo ato, intitulado: “Costureira” foi inspirado na obra homônima de 1951. Esta fase da coleção traduziu, por meio de tecidos como o georgette e couro de salmão, o universo sensível e detalhista do “feito à mão”. Bordados com botões de madrepérola evocam o cuidado e a precisão do trabalho manual e criam um diálogo simbólico entre Marina e Djanira, duas artistas que exaltam a força feminina. Por fim, em um tributo ao bordado cearense, o terceiro ato, intitulado “Bordadeira”, mergulha no universo das mulheres rendeiras, especialmente as que trabalham com bilro para trançar a renda. As peças trouxeram cetim de seda pura, tecidos plissados, acabamentos ondulados e fios de miçanga, compondo visuais fluidos e poéticos.
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Desfile Maria Bitu na SPFW N60 (Vídeo: reprodução/Instagram/@spfw@marinabitu)
Moda como herança de resistência
A coleção “Djanira” é homenagem e também releitura contemporânea de valores que atravessam gerações, como o saber manual e a força coletiva feminina. Para Eduardo Taulois, fundador do Instituto Pintora Djanira, a coleção representa o encontro entre a arte popular e a moda autoral: “Djanira retratou o ‘fazimento’ do Brasil, colocando a cultura popular como protagonista da nossa história. Marina Bitu resgata esses saberes e cria um diálogo direto e sensível com a obra da artista.” A coleção trouxe para a passarela do evento a proposta de interligar gerações e reafirmar a moda como expressão cultural, meio de resistência e instrumento de valorização das mulheres que constroem, com as próprias mãos, a história do Brasil.