A coleção de cruise 2023 da Gucci, inspirada em constelações e desfilada em maio em um castelo na Puglia, levou à passarela diversos looks completamente transparentes, deixando corpo e seios à mostra, usados apenas com uma calcinha por baixo. Nos mais de 350 comentários do post, muitos condenaram o desfile. Em pleno 2022, o nu de uma mulher continua incomodando muita gente.
Já a estilista da marca considera a coleção “um hino à liberdade”. Michele afirma que o objetivo é apoiar a luta pela equidade de gênero e pelos direitos reprodutivos das mulheres. O slogan feminista “My body, my choice” e a data “22 de maio de 1978” – uma referência à legalização do aborto na Itália - estamparam várias criações. Mas nem só de protestos vive a grife italiana, a campanha global Chime for Change, lançada em 2013, por exemplo, já arrecadou e destinou mais de US$ 19 milhões a projetos pelo mundo que reforçam os direitos das mulheres .
A partir da esquerda: Rejina Pyo verão 2022 ; Gucci inverno 2022/23 ; Gucci inverno 2022/23 (Foto: Imax Tree)
A nudez não esteve presente apenas nas criações de Michele. Bottega Veneta, Fendi e Miu Miu usaram e apusaram dos naked dresses, transparências, microtops, microcomprimentos e recortes pela segunda estação consecutiva. Enquanto vivemos um pesadelo infinito de violência contra o corpo da mulher, as passarelas batem de frente e relembram que temos direito à liberdade de vestirmos o que bem quisermos, sem que isso signifique perder o controle sobre nossos corpos.
Um estudo do Datafolha realizado há seis anos atrás mostrou que 30% dos entrevistados concordavam com a frase “A mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada”. Entre os homens, essa taxa chegava a quase 50%. Em 2021, uma menina ou mulher foi vítima de estupro a cada dez minutos no Brasil (considerando apenas os casos que chegaram até as autoridades policiais), e uma mulher foi vítima de feminicídio a cada sete horas. O machismo ainda está longe de acabar.
A partir da esquerda: Gucci inverno 2022/23 ; Bottega Veneta inverno 2022/23 ; Bold Strap verão 2022/23 (Foto: Imax Tree)
Algumas manchetes reduzem os looks de protesto em “o sexy está de volta”. É fácil cair no clichê quando vivemos em um mundo acostumado a hipersexualizar e objetificar o corpo feminino onde a pele à mostra é tida sempre como sinônimo de sensualidade e sedução. Mas, no momento, a pele para fora não é para o outro, é sobre si. É sobre empoderamento, força, liberdade, ter o direito de exibir o que e quanto quiser. A transparência é um símbolo da liberdade de poder andar como quiser sem ser sexualizada.
Mas claro, nada carrega um único significado. A quase nudez que rege a moda está ligada também à busca de liberdade no período pós-pandêmico. As pessoas estão sedentas por roupas que expressem sua nova liberdade social, após meses de isolamento. É também sobre subversão, após dois anos de regras rígidas. E, por fim, tanta pele à mostra ressalta como as mulheres estão cada vez mais confortáveis para exibir seus corpos independentemente de estarem dentro do padrão que fora imposto por tantos anos.
Foto destaque: A partir da esquerda: Gucci inverno 2022/23 ; Blumarine verão 2022 ; Saint Laurent verão 2022 (Foto: Imax Tree)