Quando se mudou do bairro Nogueira para o da Cascatinha, em Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro, Caroline Pomin, auxiliar de serviços gerais, se viu prejudicada em uma porção importante de sua rotina diária.
Não havia, em seu novo endereço, rede de sinal de celular e internet móvel, situação que não mudou nesse último ano. “Não pega nenhum sinal dentro de casa nem no trabalho. Eu preciso ir para a rua para conseguir falar com meus filhos no telefone”, conta ela.
Na próxima quinta-feira ocorrerá o leilão do 5G, mesmo enquanto 8,7 milhões de brasileiros não tem acesso sequer ao serviço inferior, o 4G. O número é considerado expressivo, mesmo que se tratando do tamanho da população (212 milhões), segundo o especialista em redes sem fio e professor do Laboratório de Redes e Multimídia da UFRJ, Claudio Miceli.
“Temos que pensar quantos não têm acesso mesmo em regiões cobertas — diz o especialista”, apontou. “O Brasil quer ser um país digital? Se a resposta for sim, tem que mudar isso.”
A nova tecnologia promete maior velocidade na transmissão dos dados e já se encontra em atraso no Brasil.
Mesmo às vésperas do leilão do 5G, muitos brasileiros ainda não tem acesso ao serviço de 4G. (Foto: Reprodução/Pixabay)
Os dados da Anatel apontam que 9.748 localidades brasileiras podem ser consideradas “excluídos digitais”, ou seja, pontos que vivem em eterno apagão para o serviço de 4G.
A lista conta com 416 municípios com menos de 30 mil habitantes, mas chama atenção a presença também de cidades maiores como Petrópolis (RJ), Uberaba (MG) e Vitória da Conquista (BA), e até em grandes centros, como São Paulo (SP).
Essas áreas foram consideradas menos atrativas e por isso não foram observadas com investimentos obrigatórios no período do leilão do 4G, em 2014. Agora, as empresas que venceram o atual leilão deverão pelo menos se comprometer a levar o 4G a essas áreas.
Para Marcos Ferrari, presidente executivo da Conexis Brasil Digital, a situação já poderia ter sido, pelo menos, amenizada se o Governo tivesse investido os R$ 40 bilhões levantados pelo Fundo para a Universalização dos Serviços de Telecomunicações, o Fust, na expansão dos serviços de redes. “Certamente, seria razoável supor que, se esse recurso tivesse sido usado corretamente, teria resolvido a situação de desertos digitais”, comenta ele.
Em tempos de pandemia, onde o 4G nunca chegou, precisamos falar de um contexto totalmente impactado negativamente, considerando que muitos estudantes tiveram aulas on-line e profissionais adotaram o modelo home office.
Outro que se viu afetado pela ausência de sinal foi o chef Daniel Mattos, que vendo sua renda diminuir, viu no aluguel de seu sítio em Secretário, no distrito de Pedro do Rio, em Petrópolis, a possibilidade de complementar sua renda. Ele acredita ter perdido quase R$ 100 mil por não ter sinal de celular: “Os clientes que preferem alugar durante a semana escolhem (o sítio) para ser um novo ambiente para o home office e dependem de sinal de telefone e 4G para trabalhar”.
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A explicação para ausência de antenas em localidades como a da Serra Fluminense é o preço alto para as instalações, que acaba desestimulando as operadoras na ampliação dos serviços.
Nesse mesmo sentido, outras regiões ficam sem a prestação do serviço, como áreas rurais, periferias e favelas, já que a renda dos moradores desses locais é menor, logo, as prestadoras não tem interesse no investimento.
Luca Belli, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-Direito Rio, explicou essa situação: “Na favela ou na área de baixa renda, fica mais caro se precisar subir a fibra óptica em um morro ou uma pedra. Depois, as pessoas que estão lá não têm condições econômicas para pagar os custos. Por isso, são zonas de falhas de mercado”, argumenta.
Há cerca de um mês, um homem morreu no distrito de Marsilac, extremo da Zona Sul de São Paulo, pois não havia sinal de telefone para chamarem por socorro. O homem sofreu um infarto de madrugada e a família não conseguiu chamar uma ambulância.
Membro da diretoria da ONG e Associação de Moradores SOS Marsilac, Roberto Tiago Degrande conta que quando decidiram o levar por conta própria, já era tarde demais. “A desculpa que ouvimos para a falta de sinal aqui é que, como se trata de uma Área de Proteção Ambiental (APA), não podem colocar antena. Mas há outras APAs próximas com antenas”, relatou. “A impressão que dá é que não traria retorno financeiro, por isso não colocam", complementa ele.
Antena de celular. (Foto: Reprodução/Pxabay)
Em entrevista concedida ao GLOBO, a Anatel argumentou no sentido de haver uma “evolução do serviço em todo país, independentemente do tamanho do município” e disse aguardar aprovação do Ministério das Comunicações para projetar a expansão da cobertura, considerando a alteração da lei que regulamento o Fust. Sendo assim, a verba levantada pelo fundo poderia ser utilizada também para serviços de rede móvel.
Foto Destaque: Desertos digitais ainda são uma realidade no Brasil. Reprodução/Pixabay