Pesquisadores brasileiros estão desenvolvendo uma nova tecnologia para auxiliar no combate do glioblastoma multiforme, o tipo mais agressivo de câncer, responsável por 60% de todos os cânceres cerebrais e quase 25% dos tumores cerebrais não metastáticos. O estudo foi publicado no periódico International Journal of Pharmaceutics.
Nanotecnologia, quimioterapia e um anticorpo monoclonal, três tecnologias distintas, foram combinadas por cientistas para desenvolver o novo tratamento; o nanocarreador, resultado da combinação, é capaz de chegar ao cérebro, ligar-se as células tumorais e liberar um quimioterápico com docetaxel e bevacizumabe. Os testes, realizados pela primeira vez em ratos, apresentaram eficácia em células isoladas e nos modelos animais.
O procedimento, quando totalmente desenvolvido e aprovado, poderá revolucionar a forma de tratar tipos agressivos de câncer, além de trazer melhores chances de recuperação para os pacientes, que mesmo com cirurgia, quimioterapia e radioterapia possuem uma média de sobrevida de apenas 14 meses. Um dos motivos para o prognóstico está no fato de que o glioblastoma multiforme é capaz de criar vasos sanguíneos próprios de maneira acelerada, o que fortalece seu desenvolvimento no organismo humano e animal, esse processo é conhecido como angiogênese.
O farmacêutico-bioquímico Leonardo Di Filippo, comentou sobre os desafios do processo: “Por [o tumor] estar localizado no cérebro, há uma dificuldade adicional: fazer os fármacos atravessarem a barreira hematoencefálica [estrutura que filtra a passagem de substâncias para o sistema nervoso central] e chegarem até ele”.
Para contornarem o problema, o integrante do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), outros pesquisadores da Unesp, da Universidade Federal de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP) incorporaram um quimioterápico potente, o docetaxel, a um carreador lipídico nanoestruturado, possibilitando então a passagem pela barreira hematoencefálica.
O bevacizumabe, anticorpo monoclonal, também foi acoplado ao carreador para barrar o fator de crescimento endotelial (VEGF), a proteína do câncer que estimula a angiogênese. A proposta, de maneira geral, é criar uma fórmula capaz de entrar no cérebro, dirigir-se especificamente ao tumor, e então destruí-lo com o quimioterápico, sem afetar as demais células do cérebro. “O desenvolvimento desse sistema, com essa aplicação, trata-se de uma inovação”, diz Marlus Chorili, professor da Unesp e coordenador do projeto, que teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Testes
Ratos são usados para testes de novo composto contra o glioblastoma multiforme. (Foto: Reprodução/Olhar Digital)
Os testes foram desenvolvidos em seis grupos diferentes de ratos, todos inoculados com células de glioma (tipo de câncer similar ao glioblastoma): um grupo recebeu tratamento com placebo; um com docetaxel isolado; o terceiro recebeu apenas o nanocarreador, sem docetaxel ou bevacizumabe; o quarto recebeu o nanocarreador com bevacizumabe, sem docetaxel; o quinto recebeu tratamento à base do nanocarreador com docetaxel, mas sem bevacizumabe; e o último recebeu o nanocarreador com docetaxel e bevacizumabe.
Após 15 dias de tratamento observou-se que apenas os dois últimos grupos tiveram uma resposta positiva da terapia. O grupo que recebeu o nanocarreador apenas com docetaxel, mas sem o anticorpo monoclonal, teve uma redução de 40% no volume do câncer, enquanto o composto com docetaxel e bevacizumabe alcançou uma diminuição de 70% do volume. “É um número bastante significativo para trabalhos desse tipo”, comemora Chorili.
Os testes em células isoladas do glioblastoma e em células saudáveis também obtiveram sucesso. O nanocarreador foi capaz de eliminar cinco vezes mais células cancerosas, em comparação com o uso do docetaxel isolado, sem afetar as células saudáveis ou piorar os índices de biomarcadores como albumina e creatinina, indicando que a toxicidade não foi intensificada. “Se as pesquisas continuarem a apresentar resultados positivos contra o glioblastoma multiforme, poderíamos tentar encontrar parcerias para realizar ensaios clínicos com voluntários”, explica Chorili.
O pesquisador ainda destaca que embora os experimentos tenham tido resultados animadores, essa é uma linha de pesquisa que ainda tem muitos anos de estudo pela frente, mas sem sombra de dúvidas o estudo comprova o potencial dos nanocarreadores ao combate de tumores cancerígenos.
Foto Destaque: Carreadores lipídicos nanoestruturados com docetaxel e bevacizumabe em zoom de 100 vezes. Reprodução/Leonardo Di Fillipo/Unesp