A empresa Gilead Sciences, uma das maiores farmacêuticas do mundo, em 2004 interrompeu a produção de um novo medicamento de combate ao vírus HIV. A explicação pública foi que sua eficácia não era tão diferente de um tratamento já existente para garantir um maior desenvolvimento. A empresa está sendo processada por cerca de 26 mil pacientes nos Estados Unidos.
Apesar da justificativa da Gilead, a companhia havia elaborado um plano para aumentar seus lucros. Segundo a denúncia, a empresa quis manipular o sistema de patente dos Estados Unidos a fim de proteger os monopólios lucrativos dos medicamentos mais vendidos.
Naquela época, a empresa era a responsável por dois dos principais tratamentos de sucesso contra o HIV, baseados por uma versão do medicamento tenofovir. Os executivos tinham conhecimento que o novo medicamento tinha o potencial de ser menos tóxico para os rins e ossos dos pacientes, em comparação com aqueles tratamentos já existente no mercado.
Contudo, com receio de que a nova droga promissora pudesse competir com a formulação existente do tenofovir da empresa, eles atrasaram o lançamento do produto por anos.
A manobra da empresa
Segundo os documentos, a Gilead esperava atrasar o lançamento até pouco antes do vencimento das patentes dos tratamentos já disponíveis no mercado. Assim, a empresa poderia mudar os pacientes para o novo produto pouco antes que fármaco genérico fosse disponibilizado no mercado. O novo fármaco, entretanto, só foi divulgado quase uma década depois, em 2015. As patentes desse produto valem até 2031.
A aparente manobra da Gilead com o tenofovir é tão comum na indústria farmacêutica que tem nome: salto de produto. As empresas aproveitam seu monopólio de algum medicamento e, pouco antes da chegada da concorrência dos genéricos, mudam - ou "pulam" - os pacientes para uma versão patenteada mais recentemente do medicamento para prolongar um pouco mais o monopólio.
Os registros internos da empresa desde o início dos anos 2000 mostram que os executivos da Gilead às vezes lutavam para decidir se deveriam lançar a nova formulação no mercado. Em alguns pontos, os documentos apresentam as duas iterações do tenofovir como semelhantes do ponto de vista da segurança.
Mas outros memorandos indicam que a empresa acreditava que a fórmula atualizada era menos tóxica, com base em estudos em laboratórios e em animais. Esses estudos mostraram que a nova formulação tinha duas vantagens que poderiam reduzir os efeitos colaterais. Foi muito melhor do que o original na entrega de tenofovir às suas células-alvo, o que significa que vazou muito menos para a corrente sanguínea, onde poderia viajar para os rins e ossos. E poderia ser administrado em uma dose menor.
Cientista trabalhando no laboratório da Gilead Sciences (Foto: reprodução/NBCNews/Bloomberg/GettyImages)
A Denúncia dos pacientes
Devido o lançamento atrasado de forma proposital, cerca de 26 mil pacientes que tomaram os fármacos mais antigos da companhia acionaram a Justiça, sob a denúncia de que foram expostos de forma desnecessária pela empresa a problemas renais e ósseos.
Os advogados da Gilead negaram as acusações, classificando-as como "infundadas". Eles negaram que a empresa teria parado de forma proposital a produção do medicamento para maximizar os lucros com patentes. A defesa apresentou um memorando interno de 2004 que estimava que a companhia poderia aumentar sua receita em torno de US$ 1 bilhão ao longo de seis anos se lançasse o novo produto em 2008.
Se a farmacêutica tivesse dado prosseguimento ao desenvolvimento do remédio em 2004, as patentes do medicamento considerado promissor teriam expirado ou estariam próximas de expirar. Com o atraso, a companhia tem mais alguns anos de exclusividade sobre o fármaco, impedindo que os medicamentos genéricos sejam disponibilizados no mercado.