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Terrenos de marinha e privatização de bens publícos, a história por trás da PEC 3/2022

Sob o viés de uma das mais comentadas discussões jurídicas e políticas atuais, faremos um apanhado explicando a história da PEC das praias

09 Jun 2024 - 12h00 | Atualizado em 09 Jun 2024 - 12h00
Terrenos de marinha e privatização de bens publícos, a história por trás da PEC 3/2022 Lorena Bueri

A PEC tem sido palco de diversos debates nas mídias sociais, e levanta diferentes opiniões. Enquanto alguns acreditam que ela levará à privatização das praias, outros dizem que se trata apenas de isenção ou imunidade tributária. Há quem a veja como essencial para o crescimento econômico do país, e outros que alertam que ela aumentará as desigualdades sociais.


Aprovada na Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2022, com apoio amplo de partidos de direita e centro-direita e votos, também, de deputados do PCdoB, PT e PSB. Tal proposta está em tramitação há 11 anos, e foi, inicialmente, protocolada pelos então deputados Arnaldo Jordy (PPS-PA), José Chaves (PTB-PE) e Zoinho (PR-RJ), apresentada em julho de 2011. Em maio de 2015, a proposta recebeu parecer favorável do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara, Alceu Moreira (MDB-RS), e o relatório do parlamentar foi aprovado pela CCJ no mesmo mês. Atualmente, a PEC se encontra em discussão no Senado. 


Para o melhor entendimento desta proposta, é imprescindível que saibamos sobre alguns assuntos, dentre eles: O que são terrenos de marinha e porque são de domínio público da União; Quais critérios definem os bens públicos; E o que a PEC realmente propõe.


Terrenos de Marinha e sua história com a União


Durante o Brasil colonial, a Coroa portuguesa reservou espaços costeiros para controlar a produção de sal e defender-se de invasores oceânicos. A medida foi estabelecida por uma carta régia de Dom João 5º em 1710. Inicialmente vaga, posteriormente foi definida como uma faixa de 15 braças, aproximadamente 33 metros. Com possíveis ataques vindos do Atlântico, as praias eram estratégicas para a construção de fortes, exigindo que permanecessem livres de construções para permitir disparos de canhão, caso necessário, historiadores chegaram a cogitar a ideia de que o espaço estabelecido, seria o mínimo necessário para um disparo de canhão, mas não há nada na história que confirme essa teoria.

Em 1818, Dom João 6º manteve a medida das quinze braças e somente em 1831, durante a Regência, foram demarcadas. Essas ações visavam melhorar a gestão e arrecadação de impostos sobre as áreas. Durante a Regência, houve uma tentativa de modernização das leis para adaptá-las à nova realidade do Brasil independente, garantindo o controle do governo brasileiro sobre as áreas de marinha. A legislação de 1818 estabeleceu normas detalhadas para ocupação e uso dessas terras, assegurando uma administração eficiente e controle governamental sobre as atividades nelas realizadas. Essas mudanças refletiam a crescente preocupação com a proteção das áreas costeiras e a necessidade de controle mais rigoroso sobre as terras de marinha. A presença da corte portuguesa influenciou na reorganização das necessidades de transporte, comércio, construção e defesa do litoral brasileiro.


Detalhamento de como funciona a divisão dos chamados "terrenos de marinha" (Foto/reprodução: Jusbrasil)


A legislação de 1831 introduziu o "aforamento a particulares", permitindo que o poder público concedesse esses terrenos em regime de arrendamento de longo prazo, conhecido como "regime de enfiteuses". Essa lei autorizava as câmaras municipais a administrar e utilizar os terrenos de marinha para fins públicos, além de concedê-los a particulares mediante o pagamento de uma taxa anual, regularizando assim a ocupação informal e gerando recursos para a arrecadação pública.

No século XX, o presidente Eurico Gaspar Dutra emitiu um decreto em 5 de setembro de 1946 sobre as terras de marinha. Nesse decreto, foi definido que os terrenos de marinha eram todos aqueles a uma distância horizontal de 33 metros da posição da linha de preamar, medida a partir de 1831, sendo o preamar o nível da maré alta.


Quais são os critérios que definem os bens públicos 


Existem dois critérios para definir os bens públicos, quais sejam: o critério da titularidade e o critério da destinação. Pelo critério da titularidade, são públicos os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público. Pelo critério da destinação, são públicos os bens destinados para uma finalidade pública. 

A jurisprudência afirma que os bens das pessoas jurídicas de direito privado que fazem parte da administração indireta e estão dedicados a uma finalidade pública também são considerados públicos. Resumindo, no Brasil, os bens públicos incluem aqueles das pessoas jurídicas de direito público e das entidades privadas ligadas ao governo quando estão sendo usados para serviços públicos.

Desse modo, atualmente os terrenos de marinha são bens públicos, sendo por essa razão que um particular não adquire a propriedade do terreno de marinha, mas sim o seu domínio útil. Assim, na legislação atual, exista uma ocupação ou um aforamento, o terreno de marinha continua sendo um bem público

O que propõe a PEC 3/2022 

A proposta traz efetivamente a determinação de que a propriedade seja repassada aos foreiros, ocupantes e cessionários. Assim, a partir do momento em que o texto atual da Constituição prevê que os terrenos de marinha são propriedade da União, quando a proposta prevê que eles passarão para particulares, temos sim um bem público se tornando privado, ou seja: é correto afirmar que a proposta prevê a privatização de bens públicos, incluindo praias.

Desse modo, a proposta efetivamente permite a privatização de bens públicos, incluindo praias, para particulares até mesmo de forma gratuita ou por baixo preço, fazendo com que os referidos bens passem integralmente para um regime de direito privado, o que é algo muito preocupante e que, de fato, pode implicar em uma desigualdade de acesso às praias brasileiras.

Foto destaque: Praia do Leblon, no Rio de Janeiro (Reprodução: Instagram/@praias.brasileiras)

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