O Brasil atingiu um recorde no resgate de vítimas de trabalho análogo à escravidão no campo, totalizando 1.408 pessoas. Esse número representa um aumento de 44% em comparação com o mesmo período de 2022, conforme dados divulgados em um relatório emitido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 10 de outubro.
No mesmo período, segundo o relatório, o país registrou um aumento de 8% nos conflitos no campo em comparação com o ano anterior, totalizando 973 casos, com a maioria deles relacionados à disputa por terras, somando 714 ocorrências.
Os conflitos por terra afetaram diversos grupos, com 38,2% das vítimas sendo povos indígenas, seguidos por trabalhadores rurais sem-terra (19,2%), posseiros (14,1%) e quilombolas (12,2%).
Cultivo da terra com um rastelo (Foto: reprodução/Pixabay/Dean Moriarty)
Assassinatos no campo
Houve uma redução de 50% no número de assassinatos no campo, totalizando 14 casos.
Povos indígenas foram os mais afetados, com seis casos registrados, seguidos por trabalhadores sem-terra (cinco), posseiros (um), quilombolas (um) e um funcionário público.
A violência contra mulheres no campo aumentou de 94 registros em 2022 para 107 em 2023. Além disso, 327 pessoas sofreram danos devido à contaminação por agrotóxicos.
Levantamento da CPT
O levantamento da CPT baseou-se em informações coletadas por agentes da pastoral em todo o Brasil, além de dados da imprensa e divulgações de órgãos públicos, movimentos sociais e organizações parceiras.
No início do ano, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) também havia relatado um aumento significativo nos resgates de vítimas de trabalho escravo em áreas rurais.
Esse aumento pode ser atribuído a diversos fatores, incluindo o aumento das denúncias, a expansão da terceirização, condições de pobreza e falta de responsabilidade das empresas, conforme informações coletadas em março por fiscais, associações e pesquisadores.
Vigilância e atenção
A Comissão Pastoral da Terra sugere que o aumento nos resgates pode refletir uma maior vigilância e atenção das autoridades de fiscalização em relação a esse problema.
Um caso de destaque em 2023, ocorreu durante a safra de uva em fevereiro, quando 207 trabalhadores foram encontrados em situações degradantes de trabalho em Bento Gonçalves (RS).
Esses trabalhadores estavam contratados pela empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA e prestava serviços a vinícolas importantes da região.
As plantações de uva e as lavouras de cana-de-açúcar, tiveram o maior número de vítimas resgatadas no primeiro semestre de 2023, com 331 e 532 casos, respectivamente.
Uma operação ocorreu em março em Goiás, quando o MTE identificou 212 trabalhadores em condições degradantes em fazendas de cana-de-açúcar que se estendiam do sul de Goiás até Minas Gerais.
Tipos de conflitos
No campo brasileiro, as disputas por terra lideraram com 714 casos, seguidas pelo trabalho escravo rural (102), conflitos relacionados à água (80), ocupação e retomada de terras (71) e acampamentos (6).
Cerca de 527 mil pessoas estiveram envolvidas nesses conflitos, com uma pequena queda de 2% em relação ao ano anterior.
Já nos conflitos por terra, a CPT destacou que 878 famílias tiveram suas casas destruídas, 1.524 perderam seus roçados e 2.909 tiveram seus pertences danificados.
Violência contra mulheres
A violência contra mulheres em áreas rurais vem aumentando desde 2021, com 107 registros apenas no primeiro semestre de 2023.
Entre os destaques estão os estupros de 30 adolescentes yanomami por garimpeiros em fevereiro, além de casos de intimidação, ameaças de morte, agressões, criminalização, cárcere privado e outros tipos de violência.
A CPT também observou um aumento significativo no número de vítimas de violência em geral, considerando todos os tipos de conflitos, passando de 418 no primeiro semestre de 2022 para 779 no mesmo período de 2023.
Os danos causados pela contaminação por agrotóxicos lideraram esse tipo de violência, seguidos pela contaminação por minérios.
Outro ponto de destaque, foi o aumento nos casos de criminalização e detenção de pessoas envolvidas na luta pelos direitos no campo, embora tenha havido uma diminuição nas prisões efetivas, passando de 74 para 29.
Foto Destaque: Homens foram libertos de condições análogas à escravidão em uma fazenda de milho em Santa Bárbara de Goiás. Reprodução/Ministério do Trabalho/G1.