Brasil está entre fascínio e receio com a IA
Brasileiros adotam Inteligência Artificial, mas cobram ética e transparência no uso de dados, confiando apenas quando há responsabilidade

Uma recente pesquisa realizada pela Hibou, em parceria com a Indico, mostra que o brasileiro está cada vez mais familiarizado com a IA, mas também está mais atento aos riscos. Segundo o levantamento, 65,3% dos consumidores declararam já ter utilizado algum recurso de IA.
Por outro lado, 95,5% acreditam que as empresas precisam impor limites éticos e sociais ao uso da IA, mesmo que isso reduza eficiência ou lucro. O estudo foi realizado nos dias 28 e 29 de setembro de 2025, com 1.230 pessoas de diferentes regiões do Brasil.
Perfil divergente por faixa etária e preocupação
A adoção da tecnologia e o nível de conforto com ela variam bastante segundo a idade. Entre brasileiros de até 44 anos, 80,1% já utilizaram ferramentas de IA. Já para aqueles com mais de 45 anos, o índice cai para 45,4%. Esse contraste revela dois mundos divergentes, de um lado as gerações mais jovens que abraçam mais facilmente a automação e as novas interfaces; de outro, pessoas mais maduras que ainda resistem ou demoram a aceitar as transformações digitais.
Quando questionados sobre quais valores deveriam ser respeitados pelas empresas que usam IA, 55% dos entrevistados apontaram a privacidade de dados como o mais importante. Na sequência vêm a transparência (21,4%) e os direitos do consumidor (10,3%). Apesar da forte demanda por ética, apenas 45,3% acreditam que as empresas fazem uso ético das informações pessoais, enquanto 17,6% avaliam o uso como “nada ético”. A percepção negativa é mais intensa entre os mais velhos.
Aonde a IA já marca presença no consumo
A pesquisa também investigou como a inteligência artificial aparece na experiência de consumo dos brasileiros. Segundo o levantamento, 62% dos participantes disseram já perceber a presença da Inteligência Artificial em seus hábitos diários. Essa percepção se manifesta, principalmente, em interações automatizadas com marcas e serviços. Entre os impactos mais citados estão o uso de chatbots para atendimento (30,1%), recomendações de produtos e serviços (21,5%) e ofertas personalizadas (19,7%). Esses dados revelam que a tecnologia vem se integrando de forma silenciosa, porém constante, às rotinas de consumo da população.
Por outro lado, quase 30% dos entrevistados afirmam não perceberam a influência da IA em seu dia a dia, índice que sobe para 40,9% entre pessoas mais velhas, o que reforça a diferença geracional no reconhecimento e na adoção dessas ferramentas.
Além disso, embora a IA seja bem recebida em alguns segmentos, como o de transporte (52%), ainda há forte preferência pelo atendimento humano em áreas consideradas mais sensíveis com saúde (76,9%), atendimento ao cliente (63%) e educação (60,1%). Esses números indicam que, embora a automação já faça parte do cotidiano, os consumidores brasileiros estabelecem limites claros sobre onde a tecnologia deve, ou não, substituir a interação humana.
O principal dilema: eficiência vs. confiança
De acordo com Christiano Ranoya, CEO da Indico, a inteligência artificial tende a redefinir profundamente a forma como marcas e consumidores se relacionam, transformando a experiência de compra e atendimento. No entanto, ele destaca que o público brasileiro já demonstrou ter uma postura crítica diante dessa evolução, pois a eficiência tecnológica, por si só, não é suficiente para conquistar a confiança do consumidor. Para Ranoya, ética e transparência são fatores indispensáveis, sem eles a automação pode até agilizar processos, mas não será capaz de gerar fidelidade nem credibilidade duradoura.
Camila Veras Mota (Vídeo: reprodução/YouTube/BBC News Brasil)
Em resumo, o usuário quer a comodidade que a IA fornece, mas não à custa de seu direito à privacidade ou de ver suas informações pessoais exploradas sem controle. Essa tensão entre benefício e risco será um dos grandes desafios para empresas e reguladores nos próximos anos.
Por que isso importa
Paras as empresas é sobre entender que essa postura dual do consumidor é essencial. Pois investir em IA já não é mais “se”, mas “como” e parte dessa “como” passa por definir políticas de uso de dados, transparência e proteção da privacidade. Para os reguladores, a pesquisa mostra que a sociedade está exigindo limites éticos para IA. Isso pode impulsionar legislação mais rigorosa ou diretrizes específicas para a tecnologia com foco em proteção de dados pessoais. Já para os consumidores, isso evidencia a importância de estar consciente de como seus dados são usados, e de exigir clareza das empresas. A “caixa-preta” dos algoritmos já não parece ser aceitável para a maioria.
O que observar daqui para frente
Um dos principais desafios que se impõe é como as empresas irão traduzir as expectativas dos consumidores em práticas concretas, especialmente no que diz respeito a contratos, políticas de uso de dados e formas de comunicação. A transparência sobre como as informações pessoais são coletadas e utilizadas deve deixar de ser um detalhe técnico para se tornar um pilar central da relação entre marcas e público.
Outro ponto relevante é a diferença geracional na adoção da IA. Se a tecnologia continuar crescendo mais rapidamente entre os jovens, enquanto os mais velhos permanecem mais cautelosos, essa divisão poderá influenciar diretamente como as marcas se posicionam no mercado brasileiro. Empresas voltadas a públicos mais jovens tenderão a investir em soluções automatizadas e experiências digitais mais imersivas, enquanto aquelas que lidam com consumidores mais maduros precisarão equilibrar inovação e atendimento humano.
Também há uma discussão cada vez mais urgente sobre o impacto regulatório. No Brasil, temas como privacidade, proteção de dados e governança da IA ganham destaque, impulsionados pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O avanço da tecnologia deve vir acompanhado de regras mais claras e mecanismos de fiscalização mais eficazes, garantindo segurança jurídica tanto para empresas quanto para cidadãos.
Nesse cenário, o papel da educação digital será essencial. É preciso capacitar o usuário para compreender os riscos, direitos e consentimentos envolvidos no uso da IA, além de orientá-lo sobre como gerir suas próprias informações pessoais. Um público mais informado é também um público mais protegido e exigente.
Por fim, a evolução da própria IA deve caminhar rumo a sistemas com mecanismos de explicabilidade, responsabilidade e auditoria. Em outras palavras, o futuro da tecnologia depende não apenas de algoritmos capazes de executar tarefas com eficiência, mas também de algoritmos que mostrem como e por que fazem o que fazem, fortalecendo a confiança e a ética no uso da inteligência artificial.