No ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou um novo roteiro para as Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN’s), como a doença de Chagas, a dengue e a esquistossomose. A Sociedade Brasileira de Medicina Tropical informou que o documento propõe ações de prevenção, controle, eliminação ou erradicação de 20 doenças e grupos de doenças até 2030.
Essas doenças são causadas por micróbios e parasitas, e, em geral, transmitidas por mosquitos. Como estão associadas a condições de baixa renda, atingem principalmente as áreas carentes de saneamento básico, onde o investimento público não chega, que é o caso do Brasil.
"O Brasil foi responsável por 70% das mortes no mundo por doença de Chagas em 2017; contribuiu com 93% dos novos casos de hanseníase e 96% dos casos de leishmaniose visceral do continente, só para citar alguns exemplos", sinaliza Jardel Katz, gerente de pesquisa e desenvolvimento da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDI).
Taxa de mortalidade causada por doenças tropicais negligenciadas aumentou durante a pandemia (Foto: Reprodução/Agência Brasil).
Conforme indica a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, as metas do programa estabelecem a erradicação da dracunculose (doença do verme-da-Guiné) e da bouba, diminuição em 90% do número de pessoas que precisam de tratamento para as DTN em geral, pelo menos 100 países com alcance de metas de eliminação de pelo menos uma DTN e reduzir em 75% os anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALYs) relacionados às DTN. Para isto, o fortalecimento dos sistemas de saúde é um dos focos da intervenção.
Seguindo as metas estabelecidas pelo novo roteiro da OMS, a União de Combate às DTNs pretende oferecer tratamento aos enfermos e reduzir empecilhos à prevenção das doenças. Residente na Inglaterra, Thoko Elphick-Pooley, diretora da entidade, explicou à revista VEJA que a iniciativa não pode ser isolada, cada país precisa mobilizar recursos e envolvimento ativo do governo, parceiros do setor privado e filantropos.
“Temos que atender quem precisa. Fornecer tratamento em massa para populações em risco é uma estratégia fundamental e tem levado a eliminação de algumas doenças”, afirma a líder da União. Elphick-Pooley ainda mencionou a erradicação iminente da oncocercose, doença que castiga a comunidade Yanomami na fronteira entre Venezuela e Brasil. Além de sofrerem com o garimpo ilegal em suas terras, o povo yanomami tem sido vítima de surtos de malária e desnutrição.
Falta de atendimento médico coloca em risco vida de crianças yanomami (Foto: Reprodução/Alexandro Pereira/Rede Amazônica).
Por não se tratar de business, os investimentos governamentais no país negligenciam, gradativamente, a precariedade na qual alguns povos se encontram. A pós-doutora em Epidemiologia pela Universidade de Hopkins, Ethel Maciel, pontuou que as moléstias só são olhadas pela esfera federal quando atingem a classe média. "Às vezes em que chamam a atenção é quando saem do circuito de baixa renda e locais pobres em que normalmente são endêmicas e atingem a classe média, bairros ricos", ressalta.
Em tempo, Thoko Elphick-Pooley contou que a própria OMS sinalizou abordagens para facilitar o cumprimento do novo roteiro de combate às DTNs. Entre elas, estão o melhor acesso a monitoramento, avaliação e diagnóstico, incrementos na logística e no fornecimento de medicamentos e outros produtos, fortalecimento da capacidade de defesa e financiamento da causa.
Foto Destaque: Comunidade em situação precária de saúde e higiene. Reprodução/CicloVivo.