O presidente do Brasil se reuniu com a presidente da Comissão Europeia e expressou "preocupação" com as novas demandas da UE para um acordo de livre comércio com o Mercosul. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou com Ursuline em Brasília na segunda-feira (12). A presidente da Comissão Europeia, Ursuline von der Leyen, órgão executivo da União Europeia (UE), enfatizou após a reunião Expressa a objeção de Brasília ao acordo de livre comércio do Mercosul com a União Europeia.
A primeira foi uma carta da UE ao Mercosul em março (carta encaminhada) pedindo que mais compromissos ambientais e sanções por descumprimento fossem incluídos no texto do acordo, que não foi bem recebido em Brasília. Tendo sido assinado em 2019 logo depois de 20 anos em meio a negociações, o acordo Mercosul-UE ainda necessita ser ratificado pelos estados membros.
A carta da UE também foi redigida devido a preocupações com o compromisso do então governo de Jair Bolsonaro em combater o desmatamento e pressão sobre o setor agrícola da Europa sobre possíveis aumentos nas importações do Mercosul.
Em nota conjunta após a reunião, Lula disse ter transmitido a von der Leyen as "preocupações" do Brasil sobre essas novas exigências da UE, que "aumentar as obrigações do Brasil e sancioná-lo caso não cumpra". "O pré-requisito para a existência de parceiros estratégicos é a confiança mútua, não desconfiança e sanções", disse o presidente.
O brasileiro disse ainda que a União Europeia aprovou recentemente uma lei própria que "tem efeito extraterritorial e altera o equilíbrio do acordo", uma possível alusão a uma lei antidesmatamento aprovada pelo bloco europeu em abril que proíbe a importação de produtos provenientes do desmatamento na Amazônia.
O petista também reiterou sua oposição a uma medida do acordo de compras governamentais que autoriza empresas europeias a participar de licitações públicas nos países do Mercosul em igualdade de condições com empresas locais. Segundo os brasileiros, isso vai prejudicar as PMEs brasileiras.
Lula destacou que a Europa e os Estados Unidos vêm retomando a ação estatal para estimular o setor industrial por meio de "programas bilionários de subsídios", enquanto o Brasil tem ambições semelhantes de retomar seu sério processo de desindustrialização. "Por esse motivo, o Brasil manterá o poder de implementar políticas de promoção industrial por meio de instrumentos de compras públicas", afirmou.
Encontro entre presidente da Comição Europeia, Ursula von der Leyen, e Luiz Inácio Lula da Silva. (Foto: Reprodução/Ricardo Sturket/Presidência da República)
"UE espera resposta", manifesta Von der Leyen.
Por sua vez, o Presidente da Comissão Europeia afirmou que a UE está empenhada em reforçar a sua parceria com o Brasil, seja através do contributo do programa Global Gateway, do investimento privado ou do contributo dos Estados-Membros da UE, referindo o apoio ao combate à desflorestação e o investimento na produção de hidrogênio verde no Brasil.
Lula disse que a UE é o segundo maior parceiro comercial do Brasil, com transações que devem ultrapassar US$ 100 bilhões este ano.
O Brasil, por outro lado, é o maior destino de IED na América Latina de países da UE, principalmente em manufatura, infraestrutura digital e serviços.
Doação de 100 milhões de reais para a Fundação Amazônia
Depois da reunião, von der Leyen anunciou uma doação de 20 milhões de euros (cerca de 100 milhões de reais) ao Fundo Amazônia, além de contribuições separadas dos estados membros da UE, especialmente Alemanha e Noruega.
O Programa de Investimento Internacional da União Europeia prevê a transferência de mais de 400 milhões de euros para ações contra a desflorestação e uso indevido do solo na Amazônia. Em seu discurso, von der Leyen saudou as políticas de mudança climática do governo Lula e os projetos para acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia.
A Guerra na Ucrânia
Lula e Von der Leyen abordaram além de comércio e meio ambiente, a guerra na Ucrânia. Von der Leyen é a primeira chefe da Comissão Europeia a visitar o Brasil em uma década.
Enquanto a UE e seus países-membros oferecem apoio financeiro e militar à Ucrânia, o Brasil adota uma política neutra, condenando a invasão russa na ONU, mas sem impor sanções a Moscou. Lula busca uma solução negociada para o conflito, embora tenha sido criticado por algumas autoridades ocidentais por ser considerado pró-Moscou em certos momentos.
Lula informou sua opnião de que não há solução militar para a guerra, defendendo mais diplomacia e menos intervenções armadas na Ucrânia, Palestina e Iêmen. Ele destacou a necessidade de abordar os horrores da guerra e o sofrimento que ela causa de maneira não seletiva.
Lula cumprimenta Ursula von der Leyen no Palácio do Planalto. (Foto: Reprodução/Ricardo Sturket/Presidência da República)
Von der Leyen ressaltou que a invasão russa representa uma ameaça clara ao direito internacional e à carta das Nações Unidas, violando a soberania e a integridade territorial. Ela expressou esperança de que o Brasil possa ajudar na busca por uma solução por meio de sua atuação em órgãos multilaterais.
Visita antecede cúpula UE-Celac em Bruxelas
Após sua passagem pelo Brasil, Von der Leyen terá encontros com os presidentes da Argentina, Alberto Fernández, em Buenos Aires, na terça-feira, do Chile, Gabriel Boric, em Santiago na quarta-feira, e do México, Andrés Manuel López Obrador, na Cidade do México na quinta-feira.
A visita tem como objetivo preparar para a cúpula entre a União Europeia e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), agendada para os dias 17 e 18 de julho em Bruxelas.
Na semana passada, a Comissão Europeia lançou uma estratégia para revitalizar seus laços com a América Latina. O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, destacou que, apesar da história comum e dos valores compartilhados entre a União Europeia e os 33 países da América Latina e Caribe tenham "uma história comum e valores compartilhados, essa parceria foi subestimada ou, até mesmo, negligenciada". Ele ressaltou que as relações comerciais continuam fortes, mas a cooperação política precisa ser fortalecida.
Conforme apontado por Borrell, nos últimos anos a União Europeia estava concentrada em questões como migração e Brexit. No entanto, a ascensão da China e a invasão russa na Ucrânia, que estão reconfigurando a ordem mundial, têm direcionado o foco do bloco para a América Latina. Esses eventos geopolíticos têm levado a UE a reconhecer a importância estratégica da região e a buscar fortalecer os laços políticos e econômicos com os países latino-americanos.
Foto destaque: Ursula von der Leyen e Luiz Inácio Lula da Silva. Reprodução/Ricardo Sturket/Presidência da República