Mais do que uma celebração, o Dia do Trabalhador, comemorado em 1º de maio, carrega uma história de resistência e mobilização por melhores condições de trabalho. A origem da data remonta ao ano de 1886, em Chicago, nos Estados Unidos, quando operários foram brutalmente reprimidos durante protestos por uma jornada de oito horas diárias. Conhecido como o episódio de Haymarket, o movimento resultou em prisões, mortes e execuções de líderes sindicais, marcando para sempre o calendário da classe trabalhadora internacional.
De acordo com o historiador Samuel Fernando de Souza, professor da Escola Dieese de Ciências do Trabalho, a data foi oficializada como símbolo da luta operária durante a Internacional Socialista de 1889. “Foi uma decisão de manter viva a memória daqueles que morreram por reivindicar direitos básicos”, destaca.
Do protesto à tentativa de apagamento simbólico
No Brasil, as primeiras comemorações do 1º de Maio aconteceram no século XIX, em algumas cidades como Rio de Janeiro e no Rio Grande do sul, em Porto Alegre. Inicialmente marcada por protestos e atos públicos, a data sofreu ao longo dos anos um processo de ressignificação.
Durante o governo de Getúlio Vargas, especialmente entre 1930 e 1945, o Dia do Trabalhador foi transformado em Dia do Trabalho, com o intuito de valorizar o trabalho em si e reduzir o caráter reivindicatório da data. Foi nesse período que se apresentaram marcos como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, e o anúncio do reajuste do salário mínimo passou a ser tradição no dia.
Após o golpe militar de 1964, o movimento sindical foi se enfraquecendo, fazendo com que o 1º de maio passasse a ser celebrado como uma festividade esvaziada de conteúdo político. O historiador destaca que só no fim dos anos 1970, com o surgimento do Novo Sindicalismo, a data voltou a ser recuperada pelos trabalhadores. As greves no ABC Paulista e a liderança emergente de Luiz Inácio Lula da Silva foram fundamentais para essa retomada do caráter de luta da data.
Luta por direitos continua atual
A socióloga Laura Valle Gontijo, professora da Universidade de Brasília (UnB), observa que, atualmente, as pautas dos trabalhadores permanecem tão urgentes quanto no passado. “Ainda lutamos contra jornadas exaustivas, baixos salários e a falta de regulamentação para novas formas de trabalho, como os serviços por aplicativo”, afirma.
Segundo a pesquisadora, a tentativa de transformar o Dia do Trabalhador em uma celebração genérica do trabalho busca despolitizar a data e invisibilizar as lutas históricas da classe trabalhadora. “Assim como ocorre com o Dia Internacional da Mulher, há uma tentativa de esvaziar o conteúdo político das datas”, argumenta.
Retrocessos e desafios contemporâneos
Entre os desafios atuais, a pesquisadora aponta a precarização das relações trabalhistas, especialmente com o avanço da informalidade e da ''pejotização''. Ela alerta para os impactos da ausência de regulação nas plataformas digitais e para jornadas que, segundo pesquisa de 2022, chegam a ultrapassar 80 horas semanais entre entregadores de aplicativo.
“O que vemos hoje é uma realidade muito próxima à da Revolução Industrial, com trabalhadores sem direitos básicos, enfrentando exaustão física e psicológica”, analisa. A falta de apoio sindical e o aumento de assédios e doenças ocupacionais agravam o cenário.
Matéria do G1 sobre o feriado ao redor do mundo (Foto: reprodução/Instagram/@portalg1)
Debate sobre jornada e valorização do trabalhador
A ampliação da jornada e a escala 6×1 são pontos centrais no debate atual. Tramita no Congresso um projeto de lei propondo dois dias de descanso semanal. Para Laura Gontijo, a medida é essencial para garantir dignidade ao trabalhador. “Não se trata apenas de descanso, mas de permitir convivência familiar, estudo e lazer”, afirma.
Ela também defende a redução da jornada para 36 horas semanais sem a redução do salário e com limites de horas diárias. “Experiências internacionais, como na França, mostram que isso é possível sem afetar a produtividade”, explica.
Apesar dos avanços tecnológicos e do aumento da produtividade, a pesquisadora critica o fato de que os lucros obtidos com essa eficiência não têm sido repassados aos trabalhadores. “Ao invés de reduzir as horas trabalhadas, o que se vê é um aumento da exploração e da mais-valia”, argumenta.
O 1º de Maio, portanto, segue sendo uma data emblemática — não apenas para comemorar conquistas, mas para lembrar que os direitos trabalhistas são fruto de lutas e que ainda existe um grande caminho para avançar no caminho da dignidade e da vida além do trabalho.
Foto destaque: Metalurgicos em reunião (Reprodução/Instagram/@sindmetalabc)