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[Crítica] Jesuíta Barbosa brilha como um Ney Matogrosso subversivo em “Homem com H”

Dirigida por Esmir Filho, a obra que conta a trajetória de um dos maiores artistas da música brasileira chega hoje (1) aos cinemas; confira nossa crítica

01 Mai 2025 - 16h20 | Atualizado em 01 Mai 2025 - 16h20
[Crítica] Jesuíta Barbosa brilha como um Ney Matogrosso subversivo em “Homem com H” Lorena Bueri

“Para Ney Matogrosso, por ter ousado ser livre” – “Homem com H” (2025)

Se Ney Matogrosso é bicho, Jesuíta Barbosa é o camaleão que veste a pele do artista, que rompeu tratados e traiu os ritos, para conquistar com unhas, dentes e rebolado uma liberdade que muitas vezes lhe foi negada. Para além de uma carreira, “Homem com H” é uma história gloriosa de vida. Sob a direção de Esmir Filho (“Boca a Boca”), a cinebiografia que chega hoje (1) nos cinemas de todo o Brasil, desenha a trajetória de vida e arte de um dos artistas mais ousados e libertários da música nacional com a majestosidade que ele merece.

Trama de “Homem com H”

Como Esmir Filho nos contou em conversa na premiére do longa, não há vida que caiba em 2h de tela, mas a obra se empenha em abranger boa parte dela. No recorte escolhido para “Homem com H”, acompanhamos a vida de Ney de Souza Pereira, que mais tarde opta por adotar o sobrenome paterno, Matogrosso, desde a conturbada infância na Vila Militar, ao lado da mãe, os irmãos e o pai, o coronel da aeronáutica Antônio Matogrosso (Rômulo Braga), que o tratava com violência e podava quaisquer demonstrações de arte do menino.


Assista ao trailer de "Homem com H" (Reprodução/YouTube/ParisFilmes)


A história persegue o passar dos anos de Ney, que sai de casa ainda muito jovem, para traçar seus próprios passos sem depender da anuência do pai, passando por muitas formas de sobrevivência até se encontrar na música, com o grupo estrela cadente Secos e Molhados, que o alavancou para a fama de forma rápida, muito, graças ao seu jeito único de cantar, se vestir e se portar nos palcos, desafiando a censura da ditadura militar. 

A trama, então, avança para sua carreira solo pós separação dos Secos, caminhando com Ney por suas fases musicais e emocionais, seus amores, seus hits consagrados, perdas e suas próprias reinvenções de si mesmo, aprofundando momentos que talvez o público já conheça em maioria, mas os trazendo através do ponto de vista do libertário homem-bicho.


Secos e Molhados reunidos em "Homem com H" (Foto: Marina Vancini/Paris Filmes)


Mesmo dentro do tradicional, ousa em ser

“Homem com H” não foge da estrutura pré-estabelecida, e até um tanto desgastada, de cinebiografias: é, sim, um longa linear. No início, soa meio apressado, tentando comprimir os primeiros anos abordados em poucos minutos, mas logo encontra o seu equilíbrio em meio à agitação dos palcos e o contraste com a vida privada de alguém que sempre lutou e defendeu a liberdade de ser quem se é.

Sem tentar ser “chapa branca”, ou tirar a força de seu protagonista para ter como resultado uma obra mais hipocritamente higienizada, o longa faz questão de mostrar que Ney é desobediente, ácido e “inmoldável” (com licença para o uso de uma palavra que sequer existe). E é justamente essa a sua beleza: a subversão. Ele nunca quis só cantar – e olha que a magnitude única de sua voz o permitiria ser apenas um cantor, e não um performer. Mas quem disse que ele se contenta em ser “apenas”? – ele queria por corpo, ser um bicho-homem, um homem-bicho, e se doar por inteiro nos palcos. Desde seu corpo que fala, seus figurinos ousados e seu eu que incomodava e encantava em botar para fora a fera que existe em cada um de nós, reprimida. “Homem com H” o transmite, o dá voz, o deixa errar e acertar. O deixa ser bicho. O deixa ser gente. O deixa amar livre e sofrer suas perdas.


Cazuza, Ney e Marco de Maria em "Homem com H" (Foto: Marina Vancini/Paris Filmes)


O longa também evidencia o contexto sociocultural e político ao decorrer das décadas (mesmo que sem muito se aprofundar), como a ditadura que impunha censura, principalmente aos shows ousados do artista, retratada de maneira irônica, deixando claro que Ney não se curvaria, e a epidemia de HIV/AIDS nos anos 80. Essa, abordada de forma humana e comovente, conferindo à obra seus momentos mais emocionantes, arrisco dizer.

Seus amores, antes vivos e quentes; Cazuza (Jullio Reis), aqui retratado como um anjo, que tem momentos tempestuosos, e Marco de Maria (Bruno Montaleone), que arrisco dizer, o amor mais sólido de sua vida, com quem viveu por 13 anos; viram lembranças através de performances intimistas em retratações tão lindas e ternas da ausência permanente da morte. Ney acompanhou de perto aquela doença devastadora, tomá-los, a ponto de seu teste negativo não ser um alívio, e sim uma incógnita, uma revolta, em um choro tão sincero, que sentimos a alma dele e de Jesuíta Barbosa fundidas em uma só.

“As pessoas te querem quente, te querem vivo”

O que não falta em “Homem com H” é vida. E não poderia ser diferente. Com um alto investimento de R$18 milhões (raro para filmes nacionais), combinado com profissionais talentosos como o próprio cineasta Esmir Filho, o diretor de arte Thales Junqueira (“Baby”, “Bacurau”), e diretor de fotografia Azul Serra (“Senna”, “Boca a Boca”), fora a montagem de Germano de Oliveira e a caracterização de Martin de Trujillo, é impossível não notar que trata-se de um filme bem construído, fazendo jus ao investido.

Tudo é muito colorido – agradeço pessoalmente por isso –, muito vivaz. Com foco nas apresentações de Ney e dos Secos e Molhados, tudo é um deleite aos olhos, é potência, fascínio, natureza. Jesuíta incorpora Ney de forma inexplicável, falaremos mais abaixo. E para além dos palcos, a energia humana é tão sensual quanto merecia, sem medo de ser abertamente sexy e ousado, com cenas que transpiram luxúria no melhor sentido da palavra. Tudo é selvagem e delicado, combinando com o forte contraste entre o Ney da vida e o homem animal da música – diga-se de passagem, duas pessoas bem diferentes –.


Jesuíta como Ney na apresentação de "Bandido Corazón" (Foto: Marina Vancini/Paris Filmes)


Carregado por simbologias perspicazes e uma montagem encantadora, com destaque para as dinâmicas entre a infância e a primeira apresentação solo ao som de “Homem de Neandertal”; a performance da faixa-título e a primeira relação sexual com Marco de Maria, enquanto “Maria diz que eu sou, Maria diz que eu sou Homem com H, e como sou!” (genial!), bem como uma cobra, animal que simboliza, entre outras interpretações, a vida e a morte, e as cenas de despedida de seu pai, Cazuza e Marco, que pessoalmente me tocaram de forma profunda. Como dito antes: tudo é selvagem e delicado.

Jesuíta Barbosa é o camaleão ideal para viver o homem-bicho

O ator de 34 anos, quase exatamente 50 anos a menos que Matogrosso, amplamente conhecido por sua enorme versatilidade na atuação, com papeis em obras como “Onde Nascem os Fortes”, “Pantanal”, “Serra Pelada”, “Malasartes”, “Tatuagem” e tantas outras, vive o artista homenageado de forma tão real quanto poderia, através de uma performance assustadora de tão potente, que nos dá a certeza que ele foi a escolha mais que ideal.


Assista à apresentação real e ficcional de "Sangue Latino" (Reprodução/Instagram/@azulserra)


Aqui, ele só não empresta a voz, já que dubla o artista em uma escolha honesta de entenderem que é quase impossível se aproximar de um tom tão único. E a dublagem não funciona em momentos tão específicos que não haviam registros prévios, como cantarolos pontuais à capella. Mas no palco, quando Jesuíta explode em uma liberdade poética em que tudo é Ney, não há nada ali que não nos remeta ao Pavão Mysteriozo, em um desfile de hits como a icônica “Sangue Latino”, “Bandido Corazón”, “O Vira”, “Rosa de Hiroshima”, “Pro Dia Nascer Feliz”, entre outros, somando mais de 15 músicas na obra.

Trajado de cara branca e saias de odalisca ou vestindo um singelo terno branco, sua transformação profunda vai além da caracterização, é física. Seu corpo, bem mais magro e esguio que seu habitual, é puro Matogrosso, até mesmo nos trejeitos tão característicos. Seus olhos expressivos encaram o público de perto como uma das marcas registradas do cantor.


Jesuíta Barbosa como Ney Matogrosso em "Homem com H" (Foto: Marina Vancini/Paris Filmes)


Sem mímeses caricatas, o ator constrói seu próprio personagem com fidelidade ao real, entregando números musicais vivos, ácidos e quentes, mas dosando com o estranho homem tímido da vida privada, traduzindo a metamorfose que um dos maiores e mais marcantes artistas da música brasileira foi e é, em uma cinebiografia ácida, livre, bem humorada, sexy, ousada emocionante e majestosa como Ney Matogrosso merece.

Nota: ★★★★½

Foto destaque: Jesuíta Barbosa como Ney Matogrosso em "Homem com H" (Foto: Marina Vancini/Paris Filmes)


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