Jhenniffer Raissa Bueno da Silva é mais um exemplo de como o esporte pode atuar positivamente a nível de transformação social. Com 25 anos, a jovem trans nutre a paixão pelo atletismo como forma de continuar superando adversidades, assumir sua identidade de gênero, competir com o nome social e “vencer todos os dias”.
Em reportagem exibida pelo G1, ela partilhou sua rotina como atleta de alto rendimento ao lado da Organização Funilense de Atletismo (Orcampi), projeto social pautado na formação de jovens, desde berço, através do esporte.
Uma apaixonada pelo esporte desde cedo
Orfã de pai desde muito cedo, Jhenniffer morou em Valinhos (SP) até os sete anos de idades, quando se mudou para Cândido Mota (SP), na região de Marília. Por conta da dependência química da mãe, ela passou a viver com a avó e, no processo, fugiu de casa 24 vezes.
Anos mais tarde, em busca de trabalho e receosa pela discriminação que poderia sofrer, migrou da pequena cidade diretamente para Campinas (SP). Com vocação para o atletismo, praticado de forma amadora àquela altura, Jhenniffer conta que o esporte fora um elemento presente em sua vida desde os sete anos, mas talvez a ambição que motivou a troca de ares tenha sido o divisor de águas nesse sentido.
“Quando estou treinando, é meu momento. É o momento em que consigo respirar novos ares, minha cabeça consegue desestressar [...] Com o esporte, pude conquistar e vencer todos os dias, seja na rotina, nos treinamentos, na faculdade”, destacou a atleta.
Aos 17 anos e formada no Ensino Médio, Jhenniffer se viu frente a frente com o novo desafio e, nesse primeiro momento, foi acolhida por uma prima, já residente da cidade. Por lá, se dividiu entre os treinos na modalidade que praticava recreativamente e os empregos como funcionária de mercado e, posteriormente, com telemarketing.
Imagem de Jhenniffer em uma das pistas de atletismo (Foto: Reporodução/GE/Rafael Smaira)
Em 2019, veio surgiu a oportunidade de morar em uma república oferecida pela Orcampi, ocasião que abraçou com extrema gratidão. “Nessa época, eu não morava mais com minha prima. Eu morava sozinha. Me dediquei nos treinos e surgiu a oportunidade de morar na república que o projeto de atletismo da Orcampi oferece. Foi a chance que tive de desafogar nas finanças porque eu pagava aluguel e é um dinheiro que não volta. Consegui vir para a república e é perto de onde eu treino. E foi ótimo porque isso significa treinar redondinho todos os dias. Tem que focar. Você não tem o custo da moradia, não é cobrado para morar, mas você precisa estar na dedicação. Aí fui evoluindo”, destacou.
A adaptação da atleta, e de muitos outros(as) jovens promissores, foi facilitada pela forma como o projeto opera. A Orcampi sedia suas atividades no Centro Esportivo de Alto Rendimento (Cear), na região de Swiss Park, localizado em Campinas, e trabalha com uma rede de pessoas dedicadas, claro, às questões técnicas que envolvem o esporte, mas principalmente às particularidades psicológicas, emocionais e de segurança dessas pessoas.
A iniciativa recebe atletas a partir dos 6 anos, sem custo, e aposta em uma ampla assistência envolvendo profissionais de musculação, fisioterapia e até aulas de inglês. “Aqui trabalhamos com os atletas sobre perder e ganhar. Eles têm acompanhamento com psicóloga porque estão constantemente lidando com vitórias e derrotas nas competições. O foco do esporte é moldar o caráter das pessoas e levar transformação social”, afirmou Alex Lopes, que atualmente é treinador de Jhenniffer.
Foi essa forma de trabalho inclusive que encorajou e permitiu que Jhennifer, a partir de 2020, começasse a utilizar o nome social nas competições – até então, ela tinha medo que a mudança atrapalhasse em sua aceitação no mercado de trabalho. “As pessoas realmente têm perguntas. Elas não conseguem entender que é uma identidade minha, entendeu? Mas isso a gente tem conseguido vencer no atletismo. Aí eu amadureci essa ideia de competir com os homens e ter o nome de menina. Amadureci porque hoje eu nem ligo, mas antes eu ligava”, comemorou.
A atleta, que se prepara para disputar a próxima fase do Troféu Brasil de Atletismo, tem adquirido bastante destaque esportivamente. Foi segunda colocada nos 3.000 metros com obstáculos pelos Jogos Universitários Brasileiros, sexta melhor do país nos 3.000 metros com obstáculos pela edição passada do Troféu Brasil, e conquistou pódios em corridas de rua realizadas em Campinas.
Conheça a Orcampi
Fundada em março de 1997, é uma entidade esportiva privada, sem fins lucrativos, que procura aplicar um programa educativo multidisciplinar na formação esportiva. Captação de talentos, formação, aprimoramento técnico e rendimento estão descritas em seu site como fases fundamentais desse processo.
Destaques em escolinhas de atletismo, convites de participantes, agendamento contínuo de interessados e indicação de outros integrantes são algumas formas de seleção. Também existem as formas de seleção por rendimento, baseadas nas conquistas e colocação de um determinado atleta no ranking nacional de atletismo.
Foto destaque: Jhenniffer exibe sua medalha de prata decorrente da participaçã na Copa Brasil Loterias. Reprodução/Instagram/@jhenni.atleta.