Dick Cheney, que faleceu aos 84 anos, foi uma das figuras mais influentes e controversas da política norte-americana nas últimas cinco décadas. Sua trajetória começou ainda nos anos 1970, quando atuou em cargos estratégicos nos governos de Richard Nixon e Gerald Ford, consolidando-se como um republicano de linha dura e um defensor ferrenho da força militar dos Estados Unidos. Com o fim da Guerra Fria, Cheney emergiu como símbolo de um novo tipo de conservadorismo, que via o poder americano como pilar indispensável para a ordem mundial.
Ao longo de sua carreira, Cheney cultivou a reputação de estrategista implacável, muitas vezes operando nos bastidores para moldar decisões de segurança nacional. Durante seu período como secretário de Defesa de George H. W. Bush, entre 1989 e 1993, foi um dos principais arquitetos da Guerra do Golfo, operação que projetou a supremacia militar americana no Oriente Médio. Esse episódio consolidou sua imagem como político pragmático, mas também alimentou críticas de opositores que o acusavam de priorizar interesses bélicos.
Mesmo fora dos holofotes, Cheney continuou a exercer forte influência em Washington. Sua visão de um Estado americano forte e vigilante permeou o Partido Republicano por décadas, tornando-o uma referência entre os conservadores tradicionais. Para muitos analistas, sua morte simboliza o fim de uma geração política que valorizava o poder institucional e a disciplina partidária, características cada vez mais raras na política dos Estados Unidos contemporâneos.
O homem por trás da era Bush
Entre 2001 e 2009, Dick Cheney ocupou o cargo de vice-presidente durante os dois mandatos de George W. Bush, período marcado pelos atentados de 11 de setembro e pela subsequente “guerra ao terror”. Foi ele quem defendeu, com vigor, as invasões do Afeganistão e do Iraque, medidas que redefiniram a política externa americana e moldaram o cenário geopolítico global por mais de uma década. Cheney acreditava que a segurança nacional justificava decisões duras, postura que o tornou tanto admirado quanto temido.
Nos bastidores, sua influência sobre Bush era notória. Enquanto o presidente mantinha uma imagem pública conciliadora, Cheney atuava como conselheiro de linha-dura, moldando políticas de defesa e vigilância interna. Seus críticos o chamavam de “o verdadeiro poder por trás da Casa Branca”, e sua figura se tornou alvo de intensos debates éticos sobre a extensão do poder do Executivo. Mesmo após deixar o cargo, Cheney defendeu abertamente as decisões tomadas durante o governo, afirmando que “a história provaria que foram necessárias”.
A administração Bush, e consequentemente o legado de Cheney, deixou marcas profundas na política americana. As revelações sobre tortura em prisões secretas e programas de espionagem em massa mancharam sua reputação, mas ele jamais recuou de suas convicções. Até seus últimos dias, Cheney permaneceu firme em sua crença de que a segurança nacional exigia medidas extremas em tempos de crise.
Últimos anos e afastamento do Partido Republicano
Nos anos seguintes à vice-presidência, Cheney passou a se distanciar do Partido Republicano, especialmente durante a ascensão de Donald Trump. Fiel à tradição conservadora clássica, criticou duramente o populismo e o que chamou de “ameaça autoritária” representada por Trump. Afastado da política ativa, apoiou publicamente sua filha, Liz Cheney, conhecida por enfrentar o ex-presidente dentro do próprio partido.
Em uma reviravolta simbólica, Cheney declarou ter votado na democrata Kamala Harris nas eleições de 2024, gesto que marcou sua ruptura definitiva com o novo perfil republicano. Para ele, a lealdade à Constituição e às instituições estava acima das divisões partidárias. Seu posicionamento reforçou o quanto o Partido Republicano havia se transformado desde seus anos no poder.
Com a saúde fragilizada por problemas cardíacos, Cheney viveu discretamente após um transplante de coração em 2012, chamando o procedimento de “o próprio dom da vida”. Sua morte encerra um capítulo importante da história política dos Estados Unidos, deixando um legado complexo de poder, controvérsia e convicção, que continuará a inspirar análises sobre o papel da liderança e da ética na esfera pública.
