A dica clássica para emagrecer é ‘fechar a boca’ – embora nesse conselho resida pouca verdade e muito exagero. Na premissa básica para perder peso, está uma fórmula matemática, em que se deve ingerir menos calorias do que o corpo gasta, mas os seres humanos são feitos de pensamentos, células, neurônios e hormônios que complicam a equação. Por esse motivo, algumas pessoas acima do peso e que sofrem com transtornos alimentares precisam ser acompanhadas.
O que pode causar a troca de vício
Esses pacientes precisam de um tratamento e acompanhamento multidisciplinar para evitar o que é chamado de "transferência de vício" ou vício cruzado.
“Alguns pacientes com transtornos alimentares podem, ao emagrecer, trocar a compulsão em comida por vícios em drogas, bebidas, jogos, esportes (em excesso), compras e até transtornos com consequências dermatológicas, como cutucar a pele e arrancar fios de cabelo. Isso ocorre, pois o emagrecimento com dietas está tratando apenas a consequência, que é o excesso de peso, e não a causa, que muitas vezes é proveniente de um desequilíbrio hormonal e/ou psicológico”, explica a endocrinologista Dra. Deborah Beranger.
Segundo as médicas, pessoas também podem desenvolver vícios após uma perda significativa.
“Sempre que as pessoas passam por uma grande mudança em seu corpo, há uma mudança psicológica que corresponde a isso e nem sempre é a mudança positiva que as pessoas imaginam que será. Quando perdemos muito peso, às vezes isso acontece muito rapidamente e muitas vezes de uma forma que parece fora do controle das pessoas”, comenta a Dra. Marcella Garcez.
Mecanismo da transferência
Muitas pessoas presumem que um corpo mais magro é a resposta para seus problemas. “Mas sem tratar a causa subjacente de uma compulsão existente, alguns correm o risco de substituí-lo por um vício potencialmente mais perigoso”, destaca a médica nutróloga.
A endocrinologista Dra. Deborah lembra que, para muitos, a comida é uma grande fonte de prazer – em alguns casos a única.
“Quando comemos nosso cérebro libera substâncias químicas de prazer. Já foi demonstrado que as drogas e o álcool, por exemplo, desencadeiam respostas de recompensa no cérebro semelhantes às dos alimentos, o que ajuda a explicar por que algumas pessoas se tornam viciadas em substâncias quando não conseguem mais receber satisfação com sua dieta. Se por algum motivo, esse paciente não tiver um acompanhamento psicológico, ele pode experimentar a transferência de vício”, conta a endocrinologista.
A transferência de dependência após perda rápida e significativa de peso pode ocorrer mesmo para aqueles sem histórico prévio de dependência, seja em alimentos, drogas, álcool ou outra substância ou comportamento.
A comunidade médica ainda não reconheceu a dependência alimentar como um transtorno. O conceito de dependência alimentar é controverso e realmente só é visto no contexto de dieta e restrição da ingestão de alimentos – quanto mais as pessoas tentam restringir a sua alimentação, mais descontroladas se sentem em relação à comida.
“A melhor maneira de evitar totalmente o fenômeno é trabalhar juntamente com um profissional de saúde mental, de preferência um que seja treinado para tratar vícios e distúrbios alimentares, antes, durante e depois de sua jornada para perder peso”, comenta a endocrinologista.
DRA. MARCELLA GARCEZ: Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN.
DRA. DEBORAH BERANGER: Endocrinologista, com pós-graduação em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (SCMRJ) e pós-graduação em Terapia Intensiva na Faculdade Redentor/AMIB.
Foto destaque: compulsão alimentar (Foto/reprodução)