Nos últimos 100 anos, o mundo tem visto uma melhora sem precedentes na saúde. O histórico e os números mostram que em muitos países a expectativa de vida, que mede a idade média da morte, dobrou de cerca de 40 anos ou menos para mais de 80 anos. Não se tratou apenas de uma conquista de poucos países; a esperança de vida duplicou em todas as regiões do mundo.
O que também se destaca é o fato de quão abruptos e negativos eventos de saúde podem ser. O mais impressionante é o grande e súbito declínio da expectativa de vida em 1918, causado por uma pandemia de gripe mortal que ficou conhecida como gripe espanhola.
A gripe espanhola de 1918, embora fosse um vírus diferente da COVID-19, teve efeitos pandêmicos similares. Transporte e viagens eram muito menos comuns, a população global e a idade média de morte são o dobro do que era em 1918, mas a propagação foi semelhante e tão prejudicial.
A pandemia teve três picos: um na primavera de 1918, um segundo mais mortal no outono e um terceiro na primavera seguinte. Na verdade, o estado pandêmico levou dois anos para ser dado como terminado e, segundo as estimativas, 2,7% a 5,4% da população mundial (50 milhões a 100 milhões) morreu. Os países mais pobres também foram mais atingidos, com taxas de mortalidade que alcançaram o dobro das dos países mais desenvolvidos.
A influenza espanhola de 1918 atingiu mais duramente os jovens de 20 a 40 anos (a população em idade ativa). Suspeita-se que isso ocorreu por conta do aumento da imunidade na geração mais antiga devido a uma pandemia anterior (gripe russa) que muitas pessoas mais velhas experimentaram. As consequências também atingiram mais os homens do que as mulheres, além das mulheres grávidas, onde o aborto espontâneo era comum.
No entanto, apesar do tempo de duração da pandemia ter sido considerado curto, os efeitos da influenza espanhola ainda são sentidos. Em curto prazo, houve um salto na expectativa de vida, porque muitas pessoas que estavam muito doentes com a tuberculose, que era uma doença letal em massa na época. Os contaminados foram provavelmente os primeiros a morrer da gripe espanhola porque eles já estavam em um estado enfraquecido.
Produção de máscaras em Oakland durante a Gripe Espanhola. (Foto/Reprodução/OPL)
Houve também o chamado ‘baby boom’ na década de 1920, que sempre foi justificado pela guerra e pelos homens que retornaram da frente de batalha. Há, porém, um argumento de que a gripe poderia ter contribuído porque deixou para trás uma população menor e mais saudável que foi capaz de se reproduzir em maior número.
Em muitos países ocidentais, houve um distanciamento da ciência após a pandemia porque as pessoas estavam desiludidas com ela. A partir da década de 1920, por exemplo, na América, a medicina alternativa decolou em grande escala e se espalhou pelo mundo. Ao mesmo tempo, em países que não tinham realmente abraçado o método científico, foi percebido o efeito oposto. A China, dentre outros países, tornou-se um pouco mais científica após o período.
A gripe espanhola deu um grande impulso ao conceito de medicina socializada e saúde pública, uma vez que nenhum país havia realmente se organizado nesse sentido. Hoje, entende-se que a razão pela qual os grupos mais pobres na sociedade são os mais vulneráveis se dá por conta do ambiente que habitam e do fato de que eles não têm acesso aos melhores cuidados de saúde. Esse efeito é forte em todas as pandemias e, infelizmente, é provável que os países em desenvolvimento sejam os mais afetados por essa e por qualquer outro problema com alcance global.
Foto destaque: Profissionais de saúde e autoridades utilizando máscara (Reprodução/Bettmann/Corbis)