A Polícia Federal revelou, em suas investigações, que o monitoramento direcionado a figuras como Lula e Alexandre de Moraes teve início pouco depois da divulgação do resultado das eleições de 2022. Esse processo ocorreu em um contexto de tensão política acentuada, marcado por movimentações e ações que indicavam a articulação de ataques golpistas, criando um clima de instabilidade no período pós-eleitoral.
Grupo militar liderado por Fernandes
A Polícia Federal aponta que o grupo conhecido como Kids Pretos, formado por militares das operações especiais do Exército e reconhecido pelos gorros pretos que cobrem parte do rosto, estaria à frente das ações.
Preso na operação da última terça-feira (18), o general Mário Fernandes, então vice-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, liderava o grupo e realizou mais de uma visita ao acampamento de manifestantes golpistas em frente ao QG do Exército em Brasília.
Plano de ataque a Moraes
Em 9 de novembro, Fernandes elaborou e copiou, em um computador do Palácio do Planalto, um documento intitulado "Planejamento - Punhal Verde Amarelo", que detalhava um plano para prender e executar o ministro Alexandre de Moraes, além dos integrantes da chapa eleita para a Presidência, Lula e Geraldo Alckmin.
Os militares detalharam o plano em etapas, incluindo o mapeamento dos locais frequentados por Moraes e Lula, os trajetos habituais, o número de seguranças de cada um e a quantidade de militares necessária para realizar a operação.
Além de especificar as armas a serem usadas, o general Mário Fernandes, segundo a PF, entregou uma cópia do documento no Palácio da Alvorada, onde se encontrava Jair Bolsonaro.
General Braga Netto candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022 (Foto: reprodução/Getty imagens embed/Andressa Anholete)
Reunião de conspiradores golpistas
No dia 12 de novembro, os Kids Pretos se encontraram na casa do general Braga Netto, ex-candidato derrotado à vice-presidência na chapa de Bolsonaro, localizada na quadra 112 Sul.
A reunião contou com a presença de Braga Netto, do tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens da Presidência, e de dois dos presos na operação de terça-feira (19), os tenentes-coronéis Rafael Martins de Oliveira e Hélio Ferreira Lima.
De acordo com a PF, durante a reunião, foi dado o aval para as ações secretas. Entre os dias 21 e 23 de novembro, os dois militares saíram para realizar o monitoramento do ministro Alexandre de Moraes, com o objetivo de cumprir uma possível ordem de prisão a ser emitida por Bolsonaro, conforme investigado pela PF.
Planejamento sigiloso e rastros falsificados
A investigação examinou mensagens em aplicativos, conexões entre celulares e dados de navegação na internet dos envolvidos. De acordo com a PF, os conspiradores buscavam evitar os erros cometidos pelos assassinos da vereadora Marielle Franco. Para isso, estudaram a ação desses criminosos e, visando não deixar rastros, adquiriram e ativaram linhas telefônicas utilizando documentos falsificados.
Ao examinar antenas de celular e mensagens telefônicas, os investigadores descobriram que os Kids Pretos estiveram em áreas próximas à casa do ministro Alexandre de Moraes e realizaram pesquisas sobre rotas para simular distâncias entre pontos estratégicos e sua residência.
Prédio da Polícia Federal em Brasília DF (foto: reprodução/Getty imagens embed/Evaristo SA)
Encontros e planos estratégicos revelados
Em 6 de dezembro, a PF revelou que Rafael de Oliveira e Mauro Cid se encontraram com Bolsonaro no Palácio do Planalto por aproximadamente meia hora. Nesse mesmo dia, o general Mário Fernandes estava no Planalto e imprimiu novamente o planejamento operacional “Punhal Verde Amarelo”.
No dia seguinte, de acordo com as investigações, Bolsonaro se reuniu com os comandantes das Forças Armadas no Palácio da Alvorada. Em seu depoimento, o general Freire Gomes, então comandante do Exército, afirmou que Bolsonaro apresentou uma minuta de decreto que estabelecia um "estado de sítio".
O relatório de investigação indica que as linhas telefônicas utilizadas para planejar a captura do ministro Alexandre de Moraes foram ativadas em 8 de dezembro. Nesse mesmo dia, o general Mário Fernandes informou a Mauro Cid que havia conversado pessoalmente com Bolsonaro.
A PF afirma que, em 10 de dezembro, dois dias antes da diplomação de Lula no Tribunal Superior Eleitoral, uma troca de mensagens entre Cid e o então assessor da Presidência Marcelo Câmara reforçou o monitoramento de Lula e Moraes. A mensagem dizia: "Estarão na portaria. O trecho 5 será do presidente. A rota verde com desembarque exclusivo da comitiva do diplomado será no subsolo."
Ministro Alexandre de Moraes no STF (foto: reprodução/Getty imagens embed/Bloomberg)
Tentativa de sequestro frustrada
Em 12 de dezembro, no dia da diplomação da chapa de Lula e Alckmin no TSE, manifestantes radicais tentaram atacar o prédio da PF e provocaram incêndios em carros e ônibus em Brasília.
No dia seguinte, um dos militares presos na terça-feira (19) esteve na "residência funcional do ministro Alexandre de Moraes". Segundo a Polícia Federal, 15 de dezembro de 2022 foi o dia da tentativa de sequestro do ministro, uma operação que recebeu o nome de "Copa 2022".
Pouco após as 20h30, Rodrigo Bezerra de Azevedo, um dos Kids Pretos envolvidos na conspiração e atualmente tenente-coronel, se posicionou neste estacionamento no Parque da Cidade, um dos locais de apoio para a operação. Ele foi o primeiro a confirmar que estava pronto.
Em um local próximo à residência de Alexandre de Moraes, outro militar confirma que estava na posição. O homem no estacionamento pergunta sobre a conduta, e o líder do grupo responde que deve aguardar. Vinte e quatro minutos depois, outro integrante informa que está perto da posição e pergunta se o plano será cancelado. Logo após, o líder da operação confirma o cancelamento.
De acordo com a Polícia Federal, o grupo desistiu do plano porque a sessão do Supremo terminou antes do esperado. Com isso, a operação fracassou.
Ao concluir o relatório, a PF afirmou que a organização criminosa tentou estabelecer as condições para um golpe de Estado. Segundo a investigação, os eventos analisados contribuíram para o crescimento de um radicalismo que resultou nos atos de 8 de janeiro de 2022, quando bolsonaristas radicais invadiram e depredaram as sedes dos três poderes.
Foto destaque: sede da Polícia Federal em Brasília DF (Reprodução/Getty imagens embed/NurPhoto)