Nesta sexta-feira (24), a guerra entre a Rússia e a Ucrânia terá oficialmente um ano de existência, quando no dia 24 de fevereiro de 2022, o presidente russo, Vladimir Putin, ordenou a invasão da Ucrânia.
Nesse período de um ano, centenas de milhares de vidas foram perdidas, além de outras milhares que tiveram seus destinos drasticamente alterados por conta da guerra, como é o caso de alguns brasileiros que viviam na Ucrânia na época, e contaram suas versões do acontecido, ao portal de notícias RFI, no começo da guerra, e voltaram a relatar sobre suas vidas, novamente ao portal, quase um ano depois. Na reportagem, há também a presença de outro brasileiro, que não estava nos países, mas que sentiu que deveria ir a Ucrânia, lutar ao lado das forças armadas e proteger o país.
O primeiro a comentar foi o engenheiro David Abu-Gharbil, de Minas Gerais, que tinha ido para a Ucrânia estudar medicina. Hoje, David relata que ninguém na época, inclusive os ucranianos com quem ele havia conversado, imaginavam que uma guerra poderia acontecer. "Conversando com o pessoal lá, ninguém tinha medo de guerra. Então a gente estava tranquilo. Inclusive, quando a guerra começou, eu trabalhei até 1h da manhã; na madrugada do dia 23 para o dia 24 de fevereiro. Cheguei em casa à 1h30 e acordei às 4h30 com um barulho de bomba, sem saber o que tinha acontecido. Foi mais ou menos assim. A guerra começou 'do nada'. Estava todo mundo trabalhando e vivendo a sua vida normalmente; ninguém falava em guerra. E daí simplesmente a guerra começou, isso que foi muito pesado... se eles estavam tranquilos, por que eu não estaria?", disse.
Felizmente David conseguiu sair do país, e depois de meses no Brasil, se mudou recentemente para a República Tcheca.
Diferentemente do que fez David, de sair do país às pressas, outro brasileiro decidiu fazer o caminho contrário.
O brasileiro Ezequiel Silva, de 22 anos, assim que soube da guerra através de vídeos no facebook, decidiu instantaneamente se juntar ao país ucraniano para lutar ao lado das forças armadas. Um detalhe importante, é que aqui no Brasil, Ezequiel nunca havia pegado em uma arma, nem se quer havia servido no exército do país.
"Em 24 de fevereiro de 2022, eu estava na minha casa, deitado, curtindo a minha vida. Então eu abri o Facebook e vi um vídeo mostrando que a Rússia estava invadindo a Ucrânia. A partir daquele momento, eu já comecei a me planejar para vir pra cá... foi muito complicado entrar na Ucrânia, porque a gente não tinha nenhum papel de convocação das Forças Armadas ucranianas, nada. Na fronteira entre a Polônia e a Ucrânia, os militares nos pararam, pegaram os nossos passaportes, fizeram um monte de perguntas, por pelo menos uma hora. Para a nossa sorte, eles nos deixaram passar", comenta Ramires.
Atualmente, Ezequiel ainda faz parte do exército ucraniano, e está lutando pelo país contra a Rússia. Um caso curioso, é que Ezequiel foi atendido por um brasileiro, quando sofreu ferimentos de guerra.
O médico é Rony de Moura, de Goiás, que tem uma história bastante curiosa.
Ele estava no final da faculdade de medicina em Kiev, quando a guerra explodiu, faltava apenas uma prova para concluir o curso. Entretanto, o brasileiro não conseguiu transferir seu curso para nenhum outro país da Europa, e teve de voltar ao Brasil sem se formar. Porém, alguns meses depois, Rony voltou novamente a Ucrânia, se formou, e atualmente ajuda nos hospitais ucranianos, prestando assistência nas cirurgias dos feridos de guerra.
"A maioria dos pacientes chega a mim já anestesiados e sedados, prontos para a cirurgia, então dou uma assistência para os doutores que comandam a cirurgia. A grande maioria dos pacientes veio da guerra, com ferimento por bala, explosões, precisando de amputação", relata Rony
Muitos brasileiros que moravam na época da guerra, sofreram para conseguir sair do país, alguns só conseguiram deixar a Ucrânia através do voo de repatriação da FAB, no dia 9 de março, como é o caso do jogador de futsal Matheus Ramires.
"Já faz um ano, mas parece que foi há pouco tempo que estávamos tentando sair de Kiev. Eu acompanho pela televisão e fico triste de ver que o conflito segue. Eu estou bem, tive que reiniciar a vida aqui no Brasil. Graças a Deus as perdas foram somente materiais, então consegui recomeçar aqui. O que me ficou na memória foi, principalmente, o jeito como o povo ucraniano lidou com a guerra. O mundo de muitas famílias estava se acabando e ainda assim as pessoas com gestos bonitos, de solidariedade, que vão ficar sempre na minha memória. No momento mais difícil, eles ainda tinham estes gestos. Esse foi o maior aprendizado que eu tive desta guerra, de ver que pessoas, nos piores momentos de suas vidas, continuaram sendo gentis, educadas. Eu tirei muitas lições daquele momento", afirma Matheus.
Matheus na apresentação ao clube ucrâniano antes da guerra começar (Arquivo Pessoal/Instagram Matheus Ramires)
Matheus, que foi jogar pelo clube Skyup de Kiev, ficou apenas 40 dias na Ucrânia. Hoje, mora no Brasil, atuando como jogador profissional e professor de escolinha de futsal.
Alguns brasileiros utilizaram esse voo da FAB para voltar ao Brasil, entretanto, outros preferiram continuar morando na Europa, tentando encontrar uma nova vida, como é o caso do último brasileiro entrevistado, o também jogador de futsal Moreno Santiago, que também atuava pelo Skyup de Kiev.
"Foi uma loucura aquilo ali, mudou todos os nossos planos, eu fiquei meio sem saber o que fazer, porque foi tudo muito rápido. Como eu jogo futsal, fiquei meio sem ter o que fazer. A gente foi retirado do país, foi para a Polônia, para ser repatriado, mas eu decidi ficar porque tinha a possibilidade de jogar aqui na Europa. A janela de transferência ia ser aberta para os jogadores que saíam da Ucrânia e eu aproveitei esta oportunidade e fui para a Alemanha", conta o jogador.
Moreno Santiago em partida pelo Skyup quando atuava pela equipe ucraniana (Arquivo Pessoal/Instagram Moreno Santiago)
Moreno continua na Europa. Depois de conseguir sair da Ucrânia, Moreno se tornou jogador de um clube alemão, e mais tarde foi contratado por um clube francês, onde está até hoje.
A guerra alterou a vida de milhões de pessoas, inclusive de todos esses brasileiros, e infelizmente, ainda não sabemos quando isso irá acabar. A expectativa no começo, era que duraria dias, no mais tardar, algumas semanas. Entretanto, já estamos em um ano, e não há previsão para o fim.
Foto Destaque: Avião da FAB responsável por retirar alguns brasileiros da Ucrânia durante a guerra (Reprodução/Arquivo Pessoal FAB)