“Ninguém É de Ninguém”, dirigido e roteirizado por Wagner de Assis (Nosso Lar e Kardec) e baseado no bestseller homônimo de Zíbia Gasparetto, versa sobre relacionamento abusivo, possessividade, libertação, recomeço por meio do amor e a linha tênue entre as relações carnais e espirituais, mas peca na execução de temas tão importantes.
Estrelado por Carol Castro, Danton Mello, Rocco Pitanga e Paloma Bernardi, a trama faz questão de desmascarar a farsa da família de comercial de margarina logo nos primeiros minutos de tela e deixar claro que as coisas não vão tão bem assim na família de Gabriela (Carol) e Roberto (Danton).
Cartaz oficial do filme "Ninguém É de Ninguém" (Foto: Reprodução/Sony/Cinética Filmes)
Primeiro ato:
Pais de um casal, ela, advogada bem-sucedida recém promovida à associada e ele, cada vez mais neurótico após levar um golpe de um ex-funcionário. O fio condutor que leva aos primeiros desentendimentos dos protagonistas é justamente a inveja de um homem que vê-se falido enquanto sua esposa brilha profissionalmente.
No outro lado da moeda, existe Renato (Rocco), o chefe de Gabriela. Um homem gentil e preocupado com o bem-estar dos funcionários, casado com a fútil Gioconda (Paloma), uma mulher fissurada pelo marido, fria e dissimulada. O filme, com isso, mostra com precisão que a toxicidade de um casal não se define apenas pelo gênero.
O primeiro ato vem para construir o ambiente pesado dentro das duas casas e para mostrar a piora e o aumento da possessividade de Roberto e Gioconda por Gabriela e Renato. Tudo é descabido. O ciúme, a inveja e a falta de confiança, mas embora seja absurdo, não é puramente ficcional, já que é realidade na vida de muitos casais, infelizmente.
A parcela da obra deixa claro como sentimentos de posse cegam e tiram a capacidade de raciocínio de quem está tomado por eles. Roberto passa de um homem ciumento para um esposo violento, manipulador e um verdadeiro sugador de energia, ‘descreditando’ e colocando as conquistas da esposa sempre abaixo de seus desejos e necessidades. Gioconda não é muito diferente, embora mais comedida, usa de todos os artifícios possíveis para “não perder” seu marido, já que o ciúme doentio faz com que acreditem que os dois advogados sejam amantes.
De início, “Ninguém É de Ninguém” não tem nada de sobrenatural. São apenas seres humanos lidando com suas frustrações e projetando-as em outras pessoas por sua total incapacidade de resolver suas questões internas.
Assista ao trailer de "Ninguém É de Ninguém" (Reprodução/YouTube)
Segundo ato:
Em um segundo momento, tudo se torna mais material, mais claro. Os abusos de Roberto e a obsessão de Gioconda se fundem em um plano para acabar com a carreira de Gabriela e, consequentemente, afastá-la de Renato.
Nessa fase, o filme se torna mais pesado e retrata abuso sexual e físico, encobertos pela boa aparência de um marido que só quer sua família unida. O brilho da protagonista se apaga e Roberto parece cada vez mais radiante por ver seu cabresto agindo como gostaria, mas nada nunca está de bom tamanho para uma mente obsessiva. Ser esposo já não bastava, seu maior sonho era ser dono. Vê-la em seu pesadelo profissional não bastava. Ele queria tê-la presa.
Terceiro ato:
Nada bastava. Enquanto ainda restasse consciência em Gabriela, ele não estaria satisfeito. Mesmo sem saber qual era o preço a ser pago por invocar forças de outro plano, Roberto faz uma espécie de pacto para mantê-la em casa, sob seu total domínio.
A partir disso é que se inaugura uma sessão nostalgia baseada em “Ghost - Do Outro Lado da Vida”, e isso não é especificamente um elogio. A clássica obra citada foi lançada no início da década de 90, e os efeitos especiais de “Ninguém É de Ninguém”, se assemelham bastante ao do longa - lançado há mais de 30 anos -.
A premissa de um karma em formato de almas escuras e um resgate por meio da espiritualidade é bem-vinda, já que o sobrenatural ainda é um gênero pouco explorado no Brasil, mas sua execução falha ao entregar uma fotografia superficial, que atrapalha a concentração na parte final e mais importante do filme.
Carol Castro como Gabriela (Foto: Reprodução/Sony/Cinética Filmes)
Conclusão:
O enredo é bem desenhado e curioso. O filme é uma importante tela para mostrar aos espectadores as camadas de destruição internas e externas que um relacionamento abusivo pode deixar em quem vivencia e quem está ao redor dele, mas se perde ao adentrar o místico e espiritual de forma superficial e se torna uma batalha bem novela das 18h entre o bem e o mal, em que o amor prevalece.
Tudo chega muito de repente no final e os debates se perdem, pois novos entram em cena, como relações e dívidas de outras vidas, perdão divino e o limbo de agonia e escuridão que almas ruins vagueiam. Portanto, ao abraçar diversos temas em pouco menos de duas horas de filme, "Ninguém É de Ninguém” acerta em premissas, mas falha em execuções.
O longa estreia nos cinemas brasileiros no dia 20 de abril.
Nota: 6
Foto destaque: Danton Mello e Carol Castro como Roberto e Gabriela. Reprodução/Sony/Cinética Filmes