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[Crítica] “Coringa: Delírio a Dois” é um exercício ousado e subversivo

Na sequência do aclamado filme de 2019, Todd Phillips anda ainda mais na contramão das obras do gênero, transformando "Coringa 2" em um musical psicótico e belo; confira nossa crítica e cuidado com possíveis spoilers

03 Out 2024 - 22h05 | Atualizado em 03 Out 2024 - 22h05
[Crítica] “Coringa: Delírio a Dois” é um exercício ousado e subversivo Lorena Bueri

“Sempre há um coringa, essa é a regra” – “The Joker”, Anthony Newley (1965)

“Coringa: Delírio a Dois”, soa realmente como um devaneio de Todd Phillips. A ideia de unir a loucura vil e sanguinolenta de Coringa, com um musical retrô, homenageando grandes clássicos do gênero, parece não casar. Causa certa estranheza ao público. Mas, assim como em “Coringa” (2019), o diretor foge da caixinha convencional, e já cansativa – diga-se de passagem – dos filmes de herois e vilões. Em 2024, chega entregando uma obra bem diferente da primeira, que nos leva direto para um passeio rítmico e perturbador por dentro da mente doentia de Arthur Fleck.

Trama de “Coringa: Delírio a Dois”

Dois anos após os crimes cometidos, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) segue institucionalizado em Arkham. Enquanto aguarda seu julgamento, sendo instruído por sua advogada, Arthur entra em um casulo, pouco fala. Suas piadas, outrora frequentes aos guardas, se extinguem.

Por um comportamento julgado positivo, sem mais encrencas, é matriculado em uma terapia musical de outra ala, onde conhece a compatível Harley Quinzel, a Lee (Lady Gaga). Sentindo-se enxergado e admirado pela primeira vez por alguém, sobretudo, uma mulher, Fleck se apaixona perdidamente por ela. Agora, ele vive uma dicotomia entre delírio e realidade, Arthur Fleck e Coringa, diante aos juízes no tribunal e a idolatria de fanáticos anarquistas.


Assista ao trailer de "Coringa: Delírio a Dois" (Reprodução/YouTube/Warner Bros. Pictures Brasil)


Números musicais belos e delirantes

O universo de Coringa de Phillips é fundamentalmente ousado. Com “Coringa” (2019), o cineasta assumiu o risco e a responsabilidade de ir contra a maré dos filmes tradicionais do gênero. Aqui, ele busca quebrar esse estigma mais uma vez, mas de uma forma que se distancia ainda mais da convenção: transformar a sequência em um musical, gênero esse tão pouco aceito atualmente. “Coringa: Delírio a Dois” é a soma dessa ousadia, sendo um filme que, na essência, ainda se parece com o antecessor, mas no amplo, envereda por outro caminho.

É notória a presença da música no longa de 2019. Em parte dos “surtos” de Arthur, o personagem dança ou cantarola, descompassado. Daí, por exemplo, surge a icônica cena da escadaria. Não é como se a musicalidade surgisse sem introdução na sequência. É de compreensão que a música já fazia parte do imaginário perturbador de Coringa, agora, exposto.



Cena de "Coringa: Delírio a Dois" (Reprodução/YouTube/Warner Bros. Pictures Brasil)


Não vá ao cinema imaginando que nesse filme, os números musicais fazem parte dos diálogos e da vida real dos personagens. Como o nome sugere, são delírios, vezes apaixonados, vezes violentos, de Arthur. O termo “Delírio a Dois” surge de um transtorno psicótico compartilhado. A condição acontece quando um indivíduo em quadro psicótico delirante induz outra pessoa a ter os mesmos desvarios que ele. No longa, além de Lee e Fleck, o público é induzido a partilhar destas alucinações, realizadas em cenas encantadoras e brutais.

Com poucas músicas originais na trilha, Todd prezou por homenagear grandes musicais antigos, como “Rhythm on the River”, “Tempos Modernos”, “That’s Entertainment”, “Summer Stock” e “The Roar on the Greasepaint”. No entanto, cada faixa parece ter sido escolhida a dedo, sendo a forma com que se encaixam no contexto do longa, um dos grandes acertos dessa sequência. Com números constantes e visualmente belíssimos, Phoenix e Gaga nos transportam para dentro da mente sombria e delirante de Arthur e seu alter ego, Coringa.

Vilão ou vítima?

Para mim, o erro de “Coringa 2” não são as partes musicais, longe disso. São elas, justamente, a união entre as “duas personalidades” que vivem em Arthur. Na contramão de um primeiro filme potente, violento e trágico, aqui vemos um roteiro que teima em não se aprofundar onde deveria.

Nele, Fleck entra em uma profunda bifurcação entre se tornar de vez o Coringa, ou abandonar essa persona, que à essa altura, se tornou um mártir para os marginalizados e oprimidos da sociedade de Gotham. Entre a tentativa de diagnóstico de transtorno dissociativo de personalidade e a psicopatia, “Delírio a Dois” busca desconstruir de vez a imagem puramente cruel de um dos vilões mais clássicos da história, e começa a vê-lo como alguém que só se tornou um assassino vil por ter um passado doloroso. Mas, não é conclusivo.

Afinal, Fleck é um homem doente e frágil por conta de seus traumas de infância, ou é um psicopata que se apoia em um alter ego para praticar brutalidades? Esse é um dos grandes X do longa, assim como em seu antecessor, mas que continua (e permanecerá) em um limbo de interpretações dúbias.

Performance ainda mais visceral de Phoenix

Joaquin Phoenix abriu mão de uma característica de sua carreira para encarar “Coringa: Delírio a Dois”: ele nunca havia atuado em uma sequência! E, na telona, com a cara pintada de branco novamente e se arriscando até no sapateado, ele nos mostra que acertou na decisão. Embora não seja um filme tão excepcional quanto “Coringa” (2019), “Coringa: Delírio a Dois” revela uma atuação ainda mais visceral e dilacerante de Phoenix na pele do personagem, sendo, sem dúvidas, o ponto mais alto da obra.


Arthur Fleck, o Coringa (Reprodução/Instagram/@jokerfilm)


Ainda mais esquelético, amargurado e confuso, aqui vemos o limite entre o Coringa e o Arthur Fleck, ora separados como água e óleo, ora juntos como água e sal. Muito disso se deve à performance de Joaquin, que mesmo sem falar nada, por muitos momentos, deixa muito claro o que se passa naquela cabeça delirante. É impressionante desde a primeira cena. É como se o ator não tivesse abandonado o personagem ao longo desses 5 anos que separam as duas obras. Vencedor do Oscar de Melhor Ator de 2020, Phoenix chega como um forte candidato à próxima edição, com grandes probabilidades de vencer novamente.

Arlequina subversiva de Gaga

Esqueça a imagem prévia que tem de Arlequina para ver a construção de Todd e Gaga. Claramente inspirada em mulheres fanáticas por serial killers americanos, algo muito comum nos Estados Unidos há décadas atrás, como o caso de Ted Bundy, Lee não tem só um apelido diferente da personagem clássica, mas também a personalidade.

Em uma roupagem aversiva, “Delírio a Dois” cria uma Harley Quinzel manipuladora e articulada, capaz de controlar sem remorsos para conseguir realizar sua fantasia bizarra e particular. Aqui, é como se os papeis tradicionais desse casal psicótico se invertessem entre quem dá as cartas e quem acata. É uma pena que cenas esperadas da personagem, vazadas durante as gravações externas, como a dança na escadaria, sozinha e outra com o Coringa, tenham ficado de fora do corte final do filme, mesmo tendo sido usadas amplamente para a divulgação oficial.



Uma das cenas descartadas de "Coringa: Delírio a Dois" (Foto: reprodução/Warner Bros. Pictures)


Já a parte musical de Gaga chega a ser dispensável de comentar. A escolha da artista foi confortável. É cômodo trazer uma cantora consagrada para um musical, mas, bem, foi certeira. Ela abrilhanta os números, estando ou não nos vocais, com a dose de elegância e loucura que pediam.

Coringa é uma ideia muito maior que Arthur Fleck

“Sempre há um coringa, essa é a regra”. Essa sentença define “Coringa: Delírio a Dois”. Como o fechamento de um ciclo e a abertura de um looping, o longa se encarrega de reforçar que Coringa se torna uma ideia, um conceito tão grande e poderoso, que sobrepõe o atormentado e pequeno Arthur Fleck.


Ouça a versão de Lady Gaga de "The Joker" (Reprodução/YouTube/Lady Gaga)


Fica claro, principalmente aqui, que a idolatria gigantesca que surgiu ao redor do ideal do Coringa, se torna assustadora até mesmo para o precursor disso. Em “Delírio a Dois” vemos um Arthur fragilizado e perturbado ao notar o quão longe aquele “movimento” vândalo e incendiário, que começou há dois anos, com seu alter ego, estava indo. Para além de Coringa, Fleck também nota que seu eu, era totalmente dispensável a todos eles. O que eles queriam idolatrar inconsequentemente era o Coringa. Arthur Fleck não tem a menor importância nesse contexto. É nesse cenário que Todd reafirma que Arthur, o corpo, é perecível, mas o Coringa é imortal. "Sempre há um coringa, essa é a regra”.

Nota: ★★★★


Foto destaque: Pôster de "Coringa: Delírio a Dois" (Foto: reprodução/Warner Bros.)

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