[Crítica] “Superman” recupera a humanidade primordial do homem de aço

James Gunn inicia a Era DC Studios com trama política que relembra o real significado do primeiro super-herói dos quadrinhos: a esperança; cuidado com spoilers

10 jul, 2025
David Corenswet como Superman | Reprodução/Instagram/@dcofficial
David Corenswet como Superman | Reprodução/Instagram/@dcofficial

“Sempre erraram sobre mim! Eu amo, tenho medo. Mas isso é ser humano, e essa é minha maior força” – “Superman” (2025)

Quando criado em meio à Grande Depressão, crise econômica que abalou os Estados Unidos na década de 1930, Superman, tido como o primeiro super-herói das histórias em quadrinho, surgiu para ser um símbolo de esperança e justiça, capaz de iluminar tempos sombrios. Adaptado para os mais diferentes formatos e mídias ao longo dos anos, romantizado, atualizado e até mesmo distorcido, na pele de David Corenswet e sob o comando de James Gunn, o personagem encontra uma versão que, acima de tudo, assume o compromisso primordial de recuperar seu significado motriz. Superman finalmente voltou a ser um de nós. 

Trama de “Superman”

Há 3 séculos, os meta-humanos, seres dotados de superpoderes, chegaram ao planeta Terra. Há 30 anos, um bebê kryptoniano (enviado do planeta extinto Krypton) caiu na fazenda do casal Kent. Há três anos, a criança, agora adulta, se apresenta sob a alcunha de Superman. Há três semanas, ele impediu uma guerra entre Borávia e Jarhanpur. Há 3h ele iniciou uma luta com outro meta-humano, e há 3 minutos, esse super-herói foi derrotado pela primeira vez.


Assista ao trailer de "Superman" (Reprodução/YouTube/Warner Bros. Pictures Brasil)

Com suas ações deturpadas e questionadas, enfrentando represálias do governo, endossadas por Lex Luthor, e até mesmo da população, Superman embarca em uma jornada para tentar equilibrar suas heranças kryptonianas e sua criação terrena, em uma das versões cinematográficas mais humanas já vistas do personagem. Nesse caminho, o homem de aço conta com aliados como o Senhor Incrível, Lanterna Verde, Mulher Gavião, Lois Lane, jornalista com quem vive um intenso relacionamento amoroso e profissional, e Krypto, o Supercão. 

A humanidade inegociável e impenetrável de Superman

James Gunn sabia exatamente o que queria evocar ao evidenciar o perecível, o lado vulnerável de um personagem cultuado como invencível e impenetrável. O novo CEO da DC Studios – que chega após revolucionar a rival, Marvel, com a brilhante trilogia de “Guardiões da Galáxia” – trata seu protagonista sobretudo como um humano,  alguém que está descobrindo suas reais origens e lidando com questionamentos acerca de suas ações e motivações, e não mais uma força bélica imune aos sentimentos e indivíduos.


David Corenswet como Superman (Foto: reprodução/Warner Bros. Pictures)

E embora a ‘dark version’ anterior tenha criado uma verdadeira legião de fãs, é essa a versão raiz do herói mais famoso da cultura pop. O Superman é o cara que vai erguer prédios para salvar uma única pessoa, que vai impedir um cachorrinho de ser atropelado, e que faz questão de resgatar até um pequeno esquilo. Mesmo com sua moral em voga, encarando olhares de reprovação, sendo posto como ameaça e uma onda de haters na internet, não existe nele um tormento pela própria existência ou uma revolta crescente pela sociedade que o cerca. A dupla James e David entende o cerne do personagem que tinham em mãos: ele é um amigo universal. Uma fonte inesgotável de esperança e integridade. Esses são valores inegociáveis. E eles faziam muita falta. 

Realidade bem situada em meio à fantasia

E já que estamos falando sobre origens, Superman é originalmente uma figura política. Seus criadores, Jerry Siegel e Joe Schuster, eram filhos de imigrantes, vindos de famílias judaicas e que fugiam do antissemitismo que começava a crescer na Europa. Recentemente, Gunn declarou que Superman é a história dos Estados Unidos: um imigrante que veio de outro lugar e povoou o país. E por mais óbvio que isso seja, ascendeu uma onda de revolta tola. O que mais seria um indivíduo que veio de outro planeta, senão um imigrante? 

Aqui, Superman enfrenta dilemas e é subjugado justamente por sua natureza extraterrena. James não tem medo de mostrar suas mensagens, exibidas de forma clara na trama, tão cristalinas que ouvimos do próprio homem de aço que a imperfeição de um país não dá direitos à outra nação invadi-lo. Sem perder o brilho da ludicidade quase cartunesca que um bom filme do gênero deve inspirar no espectador, o roteiro projeta a realidade em meio à sua fantasia de maneira equilibrada e necessária.  

Um cast super perfeito

Grande parte da responsabilidade dessa engrenagem funcionar tão bem são as escalações impecáveis, que parecem ter saído diretamente dos sonhos dos dcnautas, principalmente o trio central, mas não em detrimento dos demais componentes, igualmente eficientes. David Corenswet tem o brilho nos olhos de um ator vivendo o papel de sua carreira, com um carisma encantador e uma habilidade de saber unir e separar Clark Kent de Superman. Ele nos resgata aquela energia pura e solar que fez a versão de Christopher Reeve ser a mais inesquecível do cinema. Um ser entre o divino e o mundano, profundamente apaixonado pela humanidade, como deve ser.


Nicholas Hoult como Lex Luthor em "Superman" (Foto: reprodução/Warner Bros. Pictures)

No outro lado da moeda, temos Nicholas Hoult cravando sua versatilidade com um Lex Luthor sádico, impiedoso e cruel, movido, sem suavizar a ideia, pela mais corrosiva inveja. Um homem sem escrúpulos, que usa de todo o poder que tem para satisfazer suas próprias obsessões. Não é muito distante da realidade, né?

E a vencedora do Emmy completa o trio central com perfeição. Rachel Brosnahan traz uma força especial à Lois Lane, que, como jornalista, me senti lisonjeada. Uma mulher determinada, justa e apaixonante. Ela e Superman nutrem uma dinâmica que explora conflitos ideológicos e a tentativas agridoces de ajustes de um casal em início de relacionamento. Brosnahan e Corenswet têm uma química magnética e extremamente convincente em cena em todos os lados dessa relação.


Rachel Brosnahan como Lois Lane em "Superman" (Foto: reprodução/Waner Bros. Pictures)

Personagens como Lanterna Verde, Mulher Gavião e Senhor Incrível –intitulados a contragosto de Gangue da Justiça por Guy Gardner – ajudam a inaugurar o senso de liga no DC Studios, e são usados estrategicamente durante a trama. O maior destaque fica com Incrível, que se revela um personagem que tem bastante à acrescentar futuramente, chefiando uma das cenas mais com cara de James Gunn da obra.


Krypto, o Supercão em "Superman" (Foto: reprodução/Warner Bros. Pictures)

Mas quem mais chama a atenção é ninguém menos que Krypto, o Supercão, que com certeza vai ganhar uma legião de fãs ao redor do mundo! Nas mãos de um cineasta que é um verdadeiro expert em animais, preenche todas as cenas em que aparece, com momentos de humor leve e até mesmo tensão. Não tem como não se deliciar com a presença de um cachorro tão docemente indisciplinado. 

Luz que guia o futuro promissor do DC Studios

Não teria maneira mais promissora de abrir alas do novo selo da DC nos cinemas. Embora tenha pequenas falhas de montagem, como cortes bruscos nos fade-outs e uma estrutura basicamente episódica que pode não agradar a todos, “Superman” é o presságio que traz cor e vida ao gênero de super-heróis. É um reencontro do personagem com sua força motriz e uma intensa luz que acende os bons e promissores caminhos do DC Studios.   

“Há um homem estelar no céu. Ele gostaria de nos conhecer”“Starman” (1972)

 

Nota: ★★★★½

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